“Acústico MTV Ira!”, o disco mais vendido da carreira da banda paulista, ganha nesse 2025 uma turnê comemorativa que celebra a força do tempo em transformar mágoas em superação. Vivendo um dos melhores momentos da carreira, Nasi e Edgar revisitam o disco que foi o ponto de partida para um dos momentos mais difíceis da história do grupo, agora celebrado como o marco de uma renovação e reconciliação.
Na Divina Comédia, obra máxima de Dante Alighieri, paraíso e inferno são retratados de forma clara, apresentando as diferenças entre um e outro. E existe o purgatório, aquele andar do meio que insistimos não existir. Na carreira do Ira!, o purgatório pode ser representado pelo momento de maior impacto da carreira do grupo, o Acústico MTV Ira!, que também é seu disco mais vendido na carreira, com números próximos de um milhão de cópias, entre CDs e DVDs.
E duas décadas depois de seu lançamento, o disco celebra também um dos melhores momentos da carreira da banda, que hoje tem Nasi e Edgar Scandurra à frente de uma verdade avalanche de hits, mas a capacidade de ter ao seu lado o tempo como catalisador de uma das maiores dores de sua história, que culminou na dissolução da banda dois anos depois de seu lançamento do projeto da MTV.
Formado nos anos 80, o caminho até Acústico MTV Ira! nunca foi fácil para o grupo paulista. Autor de discos fundamentais do rock nacional, a história da banda se mistura com uma busca completa de direção musical, o que ocasionou atritos com produtores, além da coragem de peitar grandes festivais. Isso sempre deixou o Ira! naquele andar intermediário do rock nacional. E depois de bons álbuns pela Deck, divisão da Abril Music, chegava a hora de ver a luz do sol, quando assinou com a Sony Music. E com a produção de Rick Bonadio pela primeira vez, naquele momento o Midas do rock brasileiro, o pulo do gato era questão de tempo. E foi, de fato.
Lançado pela Arsenal Music, divisão da Sony, o primeiro single foi a arrebatadora O Girassol, do álbum 7, que se tornou responsável por levar o Ira! a um novo patamar nas rádios de todo país, embora acabasse se tornando também pivô de um episódio que quase acabou com a banda antes mesmo do projeto começar.
Originalmente cantada por Edgar, Rick definiu que Nasi assumisse o vocal da música em um momento onde histórias pessoais dos integrantes se cruzavam. Para descartar de antemão esse momento “Léo Dias”, vale a pena conferir entrevistas de Rick Bonadio no Youtube, assim como conferir a ótima biografia de Nasi, A Ira de Nasi, escrita por Alexandre Petillo e Mauro Beting em 2012, para entender os detalhes. Porém, nada disso impediu o sucesso do projeto.
Formado pelos tantos clássicos do Ira!, houve um cuidado especial em apresentar novas faixas e outras menos conhecidas do grande público, extraídas dos álbuns Clandestino (1990) e 7 (1995). Um punhado de ótimas músicas inéditas como Flerte Fatal, Ciganos, Por Amor, Muito Além e Poço de Sensibilidade davam o tom de um projeto que definia bem a capacidade de Edgar em conduzir seus clássicos a um novo formato, assim como a de Nasi e interpretar cada uma delas.
Repleto de participações do primeiro escalão do rock nacional, como Pitty, Samuel Rosa e Os Paralamas do Sucesso, além do ex-guitarrista do Charlie Brown Jr, Thiago Castanho, o Ira! conseguiu algo improvável, fazer seus clássicos soarem novamente como originais. Isso tanto é verdade que faixas como Tarde Vazia e Eu Quero Sempre Mais, respectivamente acompanhadas por Samuel Rosa e Pitty, finalmente receberam a atenção que deviam e se tornaram hits absolutos anos depois de seu lançamento original.
Acompanhado de uma turnê extensa, Acústico MTV Ira! colocou o grupo entre os maiores nomes do país. Mas, mais que isso, criou expectativa em torno de um novo disco de estúdio, que seria lançado dois anos depois, novamente com a mão de Rick Bonadio. Invisível DJ, de 2007, talvez fosse a consolidação de tudo, mas foi também o último disco da formação original da banda, que se separou após capítulos de enorme polêmica. E a banda se dissolveu sem dar esperanças aos fãs.
Foram necessários mais de cinco anos, quando vocalista e guitarrista retomaram uma das maiores e melhores parcerias do rock nacional. Com uma formação sólida, o Ira! retomou a carreira e nos últimos anos um novo – e ótimo – álbum de inéditas só coroou uma amizade de uma vida.
Presente em diversos festivais e adorado pelo público, a banda paulista hoje vive uma solidez com uma paz que talvez nunca tenha conseguido na carreira. A celebração do Acústico MTV Ira!, vinte anos depois, pode ser também, como na obra de Dante Alighieri, dar aquele passo que faltava para finalmente abandonar o purgatório da sua história. É hora de ir para o andar de cima.
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