Em mais um registro impecável da série Relicário, Selo SESC resgata apresentação do pai do samba paulista em clima intimista gravado no teatro do SESC Consolação. Mais que um disco ao vivo, “Adoniran Barbosa (ao vivo no Sesc 1980)” é ouvir, na voz de quem criou cada uma das obras cantadas, as músicas que hoje fazem parte de nosso cotidiano
Bastam duas ou três palavras e você já sabe cantar o restante da música. Não é exagero. Especialmente às vésperas de ligarmos a chave do Carnaval de 2024, pensar em Adoniram é pensar no ar que respiramos. Dono de uma popularidade descomunal e homenageado a cada roda de samba dos confins da cidade, as músicas do patrono do samba paulista já se enraizaram no imaginário de todos, mas e sua própria voz, suas piadas ao vivo, será que realmente conhecemos? Pensando por esse viés, o show gravado numa manhã de domingo no SESC Consolação e lançado pelo Selo SESC nos dá uma chance única e de boa qualidade de entender o tamanho desse artista tão especial.
Com um repertório que contempla alguns dos seus maiores sucessos – e bota sucesso nisso – o projeto Relicário resgata a dedo um show que funciona como coletânea para qualquer um com o mínimo de conhecimento do samba paulista. E o que emociona, nesse caso, é que TODAS as composições são assinadas pelo protagonista do show. E nele não há nem 1% de seus mais de 1100 fonogramas registrados ao longo da vida.
Em 11 faixas, bairros de São Paulo são cantados em verso e prosa e, de repente, até esquecemos do que a vida moderna nos tirou nos últimos anos. Em faixas como Viaduto Santa Ifigênia, o romance narrado faz por minutos desaparecer o medo que hoje qualquer um tem de frequentar esse espaço pelo risco de assaltos. É assim que transitamos pelo Bexiga (O que é que o Bexiga tem?), o Brás (Samba do Arnesto) e, claro, o Jaçanã (Trem das Onze). Mais que belíssimos sambas, Adoniram nos faz ver uma São Paulo romântica, que infelizmente não existe mais.
O fim do disco com sua faixa mais emblemática segue sendo o ápice de uma apresentação absurdamente simples, mas riquíssima. Acompanhado por cinco músicos, Adoniram justifica a idolatria que existe em torno de seu nome, não só como músico e compositor, mas pela capacidade de realizar uma apresentação tremendamente engraçada para o público que deu sorte de estar no lugar certo e na hora certa.
Com o lançamento de “Adoniran Barbosa (ao vivo no Sesc 1980)”, o legado de Adoniram se mostra a cada dia bem preservado na cultura paulista. Recentemente, o próprio SESC Consolação realizou uma apresentação com alunos de seus diversos – e ótimos – cursos de música que são realizados durante o ano. O tema, “O que é que o Bexiga tem?”, logicamente envolveu boa parte da obra de Adoniram que você confere nesse disco, mas também ia além. E mesmo que não soubéssemos exatamente qual era o compositor de faixas como a que inspira o título do projeto, bastava alguns minutos para aprender a cantarolar cada uma delas.
E depois de João Gilberto, João Bosco, Zélia Duncan e Adoniram, fica a pergunta: O que é que o SESC ainda tem? Por isso, seguimos ansiosíssimos por mais lançamentos do projeto em 2024.
