Antes e dar o play, fica o alerta. Esqueça “Put Your Records On”, sério. E se esse é o único hit que você conhece de Corinne Bailey Rae, melhor ainda. Comece do zero. Em um álbum surpreendente, a vencedora de dois prêmios Grammy, Álbum do Ano (2008) e Melhor Performance de R&B (2012), mergulha no mundo das artes, mas especialmente nas feridas da sociedade americana para lançar um disco que destoa de sua história, mas que tem tudo para reescrever e reposicionar a sua história, com Black Rainbows.
Para que tudo isso faça sentido, é importante um pouco de história. O novo trabalho de Corinne é inspirado em recortes e visitas ao lendário Stony Island Arts Ban, de Chicago, um híbrido de biblioteca, galeria de arte e centro comunitário. Espaço que um dia abrigou um banco, até meados dos anos, 80, o lugar fica localizado no South Side da cidade e se tornou um ponto de memória e valorização da cultura negra. E, como todos sabemos, essa é uma ferida que não tem previsão de cicatrização na sociedade americana. E isso, claramente mexeu nas influências da artista inglesa em seu novo álbum.
Mais moderno de seus discos, explorando diversas camadas que vão além soul music e do pop que a consagrou para ouvirmos em rádios de sala de espera, Black Rainbows é também o disco de sonoridade mais suja de sua discografia. E entenda essa sujeira como um rock de garagem que até então era impensável em sua música. Para se ter ideia, Erasure e New York Transit Queen estariam facilmente em algum disco do Bellrays, de Lisa Kekaula.
Denso na maior parte do tempo, o disco é também angustiante quando o background de suas faixas fica mais claro. Faixas como A Spell, A Prayer, com versos fortes como “We long to arc our arm through history / To unpick every thread” (Desejamos arquear nosso braço através da história / Para desmarcar cada tópico) mostra bem que a ideia aqui não é ouvir música no jardim ou andando de bicicleta (como no clipe de “Put Your Records On”), mas mergulhar no cerne de diversos problemas e novamente jogar luz sobre eles.
Ausente em outros quatro álbuns, elementos eletrônicos surgem pontualmente em faixas como Earthlings. Não à toa, o Stony Island Arts Ban abriga nada menos que a coleção de discos de Frankie Knuckles, o lendário produtor e Godfather da Chicago House. Ouro puro. Não se passa por uma coleção dessas e saímos igual pela outra porta. E a própria artista confirma isso em seu novo álbum.
A soul music que a referenciamos também está lá, fique tranquilo, mas ela talvez tenha ganho aquela pimenta capaz de transformá-la em algo maior. Disco que pode ser considerado um ponto de virada na carreira de Corinne Bailey Rae, Black Rainbows vai te assustar em um primeiro momento, mas vai pedir uma segunda, uma terceira audição. E logo será possível perceber que a inglesa o arco-íris colorido do início da sua carreira encontrou o outro lado da história em uma das cidades americanas onde a música negra supero o racismo e ganhou o mundo, especialmente no Reino Unido.