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O tesouro perdido de Roger Glover

28 de novembro de 20188 min read

Troca de integrantes daquela banda favorita sempre foi um bom assunto em qualquer roda de amigos que amam música. A mudança de sonoridade, a nova liderança ou a capacidade de se reerguer entre um projeto e outro é algo que normalmente rende bons papos e até mesmo divergências. Normal. O que às vezes impressiona é que muitas delas sempre passaram pela história do Deep Purple, banda que talvez tenha experimentado com maior ênfase esse processo.

A preferência por David Coverdale, Ian Gillan ou Rod Evans muda, assim como o respaldo a Ritchie Blackmore em detrimento a Steve Morse, não importa. O que normalmente fica solto são os projetos de músicos menos badalados da banda, caso do próprio Jon Lord e, principalmente, de Roger Glover, que viu recentemente sua obra mais impressionante, The Butterfly Ball And The Grasshopper’s Feast, ser relançada com dois álbuns bônus, um trabalho que marca bem a transição dos grandes projetos do mundo do rock para os chamados supergrupos, algo que na década de 80 passou a inviabilizar cada vez mais a oportunidade de grandes projetos, seja por vias contratuais ou simplesmente pela inimizade conquistada ao longo de anos.

The Butterfly Ball And The Grasshopper’s Feast nasceu basicamente do período em que Roger Glover e Jon Lord estavam fora do Deep Purple. Isso aconteceu no início da década de 70, especificamente em 1973, quando a primeira formação da banda se encerrou após um show no Japão. Com exceção do stress entre Ian Gillan e Ritchie Blackmore, o restante da banda parecia seguir bem, tanto que o baixista passou a se dedicar aos projetos realizados pela Purple Records, departamento artístico da gravadora da banda. Em seu lugar estaria o líder do Trapeze, Glenn Hughes. O Deep Purple seguiu seu caminho e Roger Glover também.

Inicialmente pensado como um projeto para o tecladista Jon Lord, The Butterfly Ball And The Grasshopper’s Feast teve como ponto inicial a obra literária de William Plomer e Alan Aldridge, um clássico que pode até hoje ser encontrado em livrarias especializadas. Bastante ocupado, o tecladista se distanciou do projeto, restando a Roger Glover dar forma aos poemas do livro e chance de realizar seu primeiro projeto pós-Deep Purple. E assim o fez.

De bom trânsito no mundo do rock, Roger Glover capitaneou uma verdadeira constelação de artistas para o disco, a começar com seu atual substituto na banda, Glenn Hughes, além de David Coverdale. Futuro vocalista do Uriah Heep, John Lawton foi outro que deu forma ao álbum, que ainda tinha gente como Micky Lee Soule, que integraria o Rainbow e a banda de Ian Gillan, Eddie Jobson, Eddie Hardin e tantos outros.

De roteiro infantil, Roger Glover transformou a obra de William Plomer em uma verdadeira ópera-rock para o público adulto. Com interpretações inspiradas, cada artista foi muito além do imaginado para narrar a paixão de um sapo por uma princesa. Indo além do hard rock propriamente dito, trazia elementos de rock progressivo e da psicodelia que havia mexido com todo rock anos antes, criando uma obra intensa e de rara beleza.

Não demorou muito para que o disco se tornasse uma pérola da Purple Records . Para ajudar na divulgação, uma animação foi desenvolvida a partir do roteiro da história, sendo exibido no intervalo de diversas atrações em países europeus, o que fez com que algumas das faixas do álbum ganhassem maior notoriedade, caso de Love Is All, que trazia Ronnie James Dio no vocal. Para se ter ideia, até hoje a faixa é ligada a algumas das mais improváveis campanhas ao redor do globo, caso de comerciais de xarope ou interlúdios de canais infantis como o Nickelodeon.

Com o respaldo adquirido, foi marcada uma apresentação do disco para o ano seguinte no Royal Albert Hall, levando ao palco todo cast do disco, ou ao menos parte dele. Com narração de nada menos que o ator Vincent Price e a participação da lendária modelo Lesley Lawson, a Twiggy, o show foi gravado para um posterior lançamento em vídeo, mas não contou com todo o cast original do disco. Uma das histórias mais emblemáticas é certamente a proibição de Ritchie Blackmore a Ronnie James Dio, que há pouco tempo iniciara seus trabalhos com o Rainbow. Sem o aval do chefe, Roger Glover trouxe outro velho amigo, Ian Gillan, que registrou sua parte na peça, até hoje encontrada como bootleg na internet.

Mais do que um momento ímpar na história do rock, The Butterfly Ball And The Grasshopper’s Feast foi uma das últimas oportunidades em que o rock pareceu “unido” da forma como os fãs sempre sonharam com seus ídolos. Basta ler um pouco sobre os anos seguintes do Purple e perceber como o clima entre seus integrantes nunca foi dos melhores com o crescimento da banda, o que se estende a muitas outras bandas da época.

Relançado mais de quatro décadas depois, o projeto solo de Roger Glover soa ainda mais grandioso quando pensado no atual momento de seus protagonistas. Ao menos aqueles que ainda permanecem na ativa. E principalmente em como a poesia de William Plomer, falecido um ano antes do lançamento do disco, se tornou atemporal e até hoje é um clássico literário.

Anos depois, em 1978, Roger Glover investiria em um novo álbum, dessa vez baseado nos “quatro elementos” e investindo em uma sonoridade mais clássica, com av Filarmônica de Munique em suporte a músicos como o virtuoso Simon Philips e tantos outros. Mesmo com uma sonoridade inovadora, o disco não decolou como The Butterfly Ball e, mais do que isso, pareceu sacramentar o fim da era dos grandes projetos da história do rock, abrindo espaço para os supergrupos que surgiriam nos anos seguintes.

Anderson Oliveira

Diretor de Arte há duas décadas, fã de Grateful Dead e Jeff Beck, futuro trompetista e em constante aprendizado. Bem-vindos ao meu mundo, o Mundo de Andy.

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