Na antiga Grécia antiga a tragédia sempre trazia consigo a figura de um herói, aquele que ao longo de um roteiro de ação repleto de atos épicos encerrava sua trajetória diante de um acontecimento funesto. Tal qual os primórdios da civilização, o rock se adaptou às suas maiores tragédias para seguir em frente.
Não vai ser diferente mais uma vez, mesmo que pareça frio demais dizer isso enquanto o mundo chora a trágica e morte do vocalista Chester Bennington, que ao lado de Mike Shinoda revolucionou a música pesada na virada do século e definiu a estética de toda uma geração de fãs que hoje são apaixonados por um gênero que cada vez carece de novos ídolos.
Porta de entrada para o rock para toda uma geração, os números do Linkin Park impressionam. Impressionam não, assustam. São mais de 68 milhões de álbuns vendidos, dois Grammy Awards e o mais importante, a capacidade de ter se tornado o ponto de referência, aquele que encarou o amor e o ódio dos fãs sem medo de fazer o que sempre acreditou.
O resultado disso foi muito além da credibilidade dos festivais ao redor do mundo, afinal, não era incomum ver Chester ou qualquer integrante do Linkin Park ao lado de artistas que iam de Motley Crue a Jay-Z, de Mike Portnoy a Steve Aoki. O grupo americano conseguiu o que talvez seja mais difícil no mundo do rock: respeito.
Tal qual a tragédia de Altamont, quando o sonho hippie acabou junto com a facada desferida pelo Hell Angel Alan Passaro no jovem Meredith Hunter durante um show dos Rolling Stones, o triste fim de Chester Bennington coloca uma pedra sobre os anos 2000, aquele que despertou a ira de toda uma legião conservadora de hard rock e heavy metal e apresentou a música pesada de uma nova forma, inovadora e que gradualmente se posicionou ao lado de nomes clássicos como Slayer, Ozzy ou Rammstein.
Esse pesadelo também aconteceu com o grunge, que ao redefinir a estética do rock viu Kurt Cobain colocar fim à própria vida, em 1994. Ou então com John Bonham, já na virada dos anos 70 para os 80, e até mesmo com Freddie Mercury, em 1991. As grandes tragédias marcaram o início de novos ciclos e isso não pode ser diferente agora.
Pergunte a qualquer fã de rock nascido próximo de 1990 qual foi sua primeira banda de rock e a resposta será sempre algo parecida. Linkin Park, Evanescence, Slipknot ou Korn frequentemente serão lembrados, mas poucos discos serão tão emblemáticos quanto Hybrid Theory e faixas como Crawling e In the End. O Linkin Park revolucionou o rock com algo nunca visto antes e iniciou um novo ciclo. E mais importante que isso, se manteve sempre na ativa, colecionando tantos hits que perderíamos de conta se fizéssemos uma lista nesse texto.
Muitos também se lembrarão dos Strokes, que na mesma época lançaram o seminal Is This It?, mas será que o grupo americano queria tanto revolucionar o rock como Chester Bennington e sua banda? E se queria, qual foi o seu grau de relevância ao longo dos últimos anos perto da ousadia do Linkin Park, que parecia a todo instante colocar sua carreira em risco apontando para um novo horizonte?
O último álbum da banda, One More Light, é uma boa prova disso. Duramente criticado pelos quatro cantos do globo, deixou fãs de cabelo em pé pelo flerte realizado com a música pop, mas se provou eficiente ao vivo, garantindo casa cheia durante a última passagem de banda pelo Brasil, em maio desse ano, quando foi headliner do Maximus Festival se apresentando justamente após o lendário Slayer.
E aquele que antes era visto como o “menino novo do rock” para toda uma geração oriunda da década de 90, Chester Bennington esteve ao lado de praticamente todos seus ídolos. Talvez tão próximo que seu fim soe como um capítulo extra de uma história que nenhum fã queria ver novamente. Substituiu Scott Weiland no Stone Temple Pilots e mantinha uma amizade de longa data com Chris Cornell, ex-vocalista do Soundgarden. E tudo o que envolve esses nomes pode ser lido em qualquer site da internet.
Acima de qualquer questão envolvendo os motivos que levaram Chester Bennington a colocar fim à própria vida, algo que ainda carece de mais informações, esse texto tem como mote justamente mostrar que é nas tragédias que o rock se reinventa, que e inicia um novo capítulo tão bonito quando esse que se encerra agora.
A partir do dia 21 de julho nenhum fã deixará de ouvir Linkin Park. Ao contrário, é hora de celebrar ainda mais a paixão que manteve vivo o Linkin Park como uma das maiores bandas do planeta ao longo de quase duas décadas. Também não deixará de ouvir Evanescence, Korn ou System of a Down, assim como não deixou de ouvir Nirvana após a morte de Kurt Cobain e até mesmo o trabalho solo dos integrantes do Led Zeppelin. O grunge ainda vive personificado em bandas como Pearl Jam e Alice in Chains, que também encarou o mesmo drama que o Linkin Park.
O sonho hippie também parece viver dentro de várias pessoas, mas era necessário encerrar um ciclo e iniciar outro. E isso sempre aconteceu com uma tragédia porque é assim que nascem os heróis. Chester Bennington foi o herói de sua geração e é chegada a hora de novos heróis nascerem quando sol nascer no próximo dia.