Enquanto o público conta os dias para o próximo 25 de março, lançamento oficial de Born to be Blue, filme que infelizmente ainda não tem previsão de lançamento no Brasil, a obra de Chesney Henry Baker Jr., ou para os íntimos apenas Chet Baker, volta a ser destaque na grande mídia quase 30 anos após a sua morte, ainda de forma misteriosa, em 1988.
Dirigido por Robert Budreau, Born to be Blue tem como foco um olhar profundo sobre a fase mais conturbada da carreira de Chet Baker, a partir dos anos 60. Interpretado por Ethan Hawke, o filme teve estreia no 13 de setembro no Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF), mas só agora chega ao circuito americano.
Ao melhor estilo “Médico e o Monstro”, Chet sempre foi obrigado a conviver com seus fantasmas durante a segunda metade de sua vida. Nascido em 1929 em Yale, Oklahoma, o jazzista seguiu um caminho que contrastava com toda uma geração do blues que nasceu e viveu na miséria. Incentivado pelo pai, estudou música antes dos dez anos e logo colheu os frutos de sua dedicação, quando trabalhou com Stan Getz e, posteriormente, no seminal Bird, obra-prima de Charlie Parker.
O sucesso veio naturalmente, fruto da parceria com Gerry Mulligan. Foi nesse período que My Funny Valentine ganhou aquela que seria considerada sua mais famosa versão, na voz de Chet Baker. Com o fim do trio, que durou menos de um ano, o trompetista americano já havia fincado sua bandeira nos Estados Unidos e Europa, se tornando uma das maiores referências do jazz da década de 50.
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É a partir daí que Born to be Blue mergulha com maior intensidade, explorando a mente conturbada de um artista que por vezes sucumbiu ao vício em heroína, cumprindo o tradicional roteiro de declínio de um viciado. Deportado de vários países, chegou a perder seus dentes durante uma briga com traficantes, o que lhe obrigou a reaprender a tocar trompete. Essa cena é retratada de forma fiel na obra de Budreau e mostra a reconstrução de um artista durante o fim da década de 60.
No auge desse processo, Chet se dedicou ao estudo do Flugelhorn, instrumento que o levou a criar aquele que seria chamado de “West Coast Jazz”, conduzindo seu trabalho de volta ao mais alto nível. Ao lado do guitarrista Jim Hall recuperou o prestígio na Europa e trabalhou com grandes nomes até a década de 80, incluindo nesse processo o guitarrista Elvis Costello.
Dono de uma voz rouca, a história de Chet Baker também se confunde com a bossa-nova. Embora tenha tido sucesso em big bands, formato que parecia não apreciar tanto, o trompetista caminhou na contramão da velocidade desse tipo de música. As interpretações arrastadas chegaram a ser mencionadas como maior influência para nomes como João Gilberto e a primeira geração da bossa-nova, que sempre negou tamanho legado, declarando eles sim terem sido a influência para Chet Baker.
Ainda assim, o Brasil cruzou com bastante intensidade a vida de Chet, que durante sua primeira passagem pelo país quase teve uma overdose após roubar a mala de um médico e fazer uso dos medicamentos durante a segunda apresentação no extinto Free Jazz, em São Paulo. Anos antes havia lançado Chet Baker and the Boto Brasilian Quartet, arrancando elogios da crítica. Em luta constante com seu vício, o músico sucumbiu anos depois em Amsterdã de forma misteriosa.
Prestes a completar 30 anos de sua morte, a avalanche de lançamentos envolvendo seu legado chega em boa hora. Enquanto o jazz se reinventa e lança novos nomes em festivais cada vez mais exclusivos, nomes clássicos veem sua obra cada vez mais acessível a um público cada vez menos interessado.
Recentemente, Paulo Miklos, integrante dos Titãs, e a talentosa cantora Anna Toledo deram início a uma temporada em São Paulo com a peça Apenas um Sopro, livremente inspirada na obra de Chet Baker. Com direção de José Roberto Jardim, a peça mergulha na intimidade de um artista que retorna aos estúdios após dois anos afastado do mundo da música, dessa vez para a gravação de um disco repleto de standards do jazz.
Apenas um Sopro segue em cartaz até 4 de abril no CCBB, localizado no centro da cidade.
Em paralelo a isso, a verdadeira bíblia da história de Chet Baker segue disponível no mercado. No fundo de um sonho: a longa noite de Chet Baker ainda é considerada a obra definitiva do músico americano e teve lançamento no Brasil, podendo ser encontrada em livrarias especializadas.
Escrito por James Gavin, fã de Chet e da era de ouro do jazz em Nova York, a obra faz jus ao título e explora em detalhes cada fase do trompetista. Considerada a obra definitiva, No fundo de um sonho parece é o caminho mais seguro e profundo para quem deseja se aprofundar no trabalho de Chet. O jornalista Ruy Castro compara o livro a um verdadeiro foguete para a lua, distante da superficialidade de tudo o que já havia sido publicado sobre Chet Baker.
Seja pelo filme, a peça de teatro ou pelo livro, a chance de redescobrir a obra de Chet Baker se mostra mais clara do que nunca em 2016. Com todo material disponível no mercado e com pouco mais de uma década para seu centenário, nada mais justo do que compreender quais motivos levaram o trompetista americano a ser considerado um dos maiores artistas do século XX.