Um dos baixistas mais importantes da história do jazz, Dave Holland tocou ao lado dos maiores do mundo e lança, ao lado do guitarrista beninense Lionel Loueke, um disco que comprova como viver é um gesto de aprendizado.
Imagine ter no seu currículo álbuns (e momentos) emblemáticos ao lado de artistas como Miles Davis, Chick Corea, Pat Metheny e Michael Brecker. Sonho de 10 em cada 10 artistas, essa trajetória explica o tamanho do legado do baixista inglês Dave Holland, que esteve – entre tantos – na clássica formação de Miles que pavimentou a estrada do que conhecemos como Fusion Jazz.
Substituto de Ron Carter na banda de Miles, Dave Holland se tornou após esse episódio um baixista renomadíssimo no mundo da música, também como bandleader. Hoje aos 78 anos, ainda em atividade, o músico inglês apresenta um novo e surpreendente álbum onde surge como coadjuvante, que na verdade só comprova que a música que fez nunca foi só de raízes americanas ou europeias, mas universal.
Ao lado do parceiro Lionel Loueke, guitarrista nascido no Benin e que fez da Costa do Marfim sua base musical, Dave Holland apresenta ao público um punhado de sessões de pura improvisação que resultaram na gravação de United, disco que tem seu título inspirado na clássica faixa de Wayne Shorter (que também foi seu parceiro).
Em United, Holland está em território desconhecido. Acompanhando dedilhados que desafiam nossa capacidade de definir a música produzida além dos grandes centros do Hemisfério Sul, Lionel Loueke faz de seu violão/guitarra um artefato que vai além. E apresenta melodias que o jazz desconhece e que a indústria se acostumou a chamar somente de “música étnica”, mas não é só isso.
De forma muito peculiar, aqui a guitarra passa longe do jazz, mas poderia se encaixar em torno dos nichos que compreendem o free jazz, por exemplo. E isso só acontece porque não sabemos definir o que estamos ouvindo. Diferente das quebras que fizeram do gênero um verdadeiro quebra-cabeças para o ouvinte, em faixas como Tranxit e Celebration a melodia é muito bem desenhada e os vocais sussurrados do músico africano só enriquecem o trabalho.
Com 11 belíssimas faixas, tentar explicar tudo com termos técnicos certamente afastaria qualquer um do álbum. Não por acaso, essa forma maçante de levar a música às pessoas afastou o próprio jazz de sua realidade. E ainda que expressões como “13 batidas” ou “música em 3/4” possam explicar tecnicamente o disco, é mais fácil dizer que o próprio Lionel Loueke inspira-se em nomes como George Benson para fazer sua arte. E esse, como poucos, soube fazer música pop quando necessário. Em United, o impossível se torna fácil em um disco para ser apreciado sem moderação. Tão fácil que soa quase dançante em alguns momentos, como em Yaoundé.
Em um território onde mais aprende do que realmente ensina, Dave Holland dá mais uma aula em sua vasta história. Não só de técnica, afinal, consegue fazer a cama para cada faixa executada por Loueke com enorme facilidade, mas também de humildade, ao assumir o papel de coadjuvante desde o título do disco. Aqui, não importa o quanto você ache que saiba de música, desbravar novos territórios segue sendo uma das grandes maravilhas do mundo das artes.
What do you think?
Show comments / Leave a comment