A voz não é a mesma e o mundo do rock também não, mas existe uma magia quando David Coverdale sobe ao palco com seu Whitesnake. Seja pelo giro marcante de seu pedestal ou por seu carisma ao desafiar o público a cada refrão, os shows da banda inglesa seguem sendo relevantes mundo afora e dessa vez prometem arrebatar de forma definitiva o público brasileiro. Sem um disco de inéditas desde Forevermore, de 2011, o Whitesnake revisita sua história e mostra – uma vez mais – porque tem garantido seu lugar ao lado dos grandes nomes da história do rock.
Mas qual o segredo do Whitesnake? De onde vem essa vitalidade interminável? Com mudanças constantes de integrantes em seu line up e a ausência de material inédito há pelo menos 5 anos, o grupo inglês tem como principal trunfo seu vocalista, David Coverdale, que segue sendo uma referência em como conduzir um público de 2, 3 ou 30 mil pessoas com a mesma eficiência.
Ao longo de seus 64 anos, o artista inglês viu o auge e a decadência da indústria fonográfica, cantou o blues e o heavy metal e soube se virar quando poderia ter se tornado “só mais um vocalista do Deep Purple” perdido na história. Aliás, esse é o grande trunfo de Coverdale… se virar e renascer.
O golpe de mestre da carreira do artista inglês se deu justamente quando parecia ter sofrido sua maior queda profissional. Demitido do Deep Purple em 1977, lançou meses depois uma quantidade de material capaz de garanti-lo como uma peça relevante frente cena hard rock que florescia na Inglaterra.
O reconhecimento com seus dois primeiros trabalhos solo, Whitesnake (de onde originou-se o nome da banda) e Northwinds (que traria parte das faixas do início da carreira), entre 77 e 78, chamaram a atenção de músicos como Micky Moody, com quem realizaria uma longa parceria e com quem fundou o Whitesnake.
O primeiro álbum, Snakebite, até hoje é tratado como um EP com regravações do trabalho solo de Coverdale, que um ano depois arrebatou a cena hard rock com Trouble, primeiro disco oficial do Whitesnake. Bebendo do blues, regravou Help Me Thro’ The Day, de Freddie King em seu segundo disco, o espetacular Lovehunter, onde passou a apostar na estrutura que funcionou com o Deep Purple. Dessa forma alcançou o notoriedade na virada da década com sua própria banda.
Contando com o tecladista Jon Lord e o baterista Ian Paice, fez de Ready an’ Willing repetiu sucesso obtido 5 anos antes com Burn, pelo Deep Purple. Figura certa nos grandes festivais europeus, foi figura marcante no nascimento do festival Monsters of Rock, que em sua segunda edição registrou um dos maiores públicos de sua história.
No auge da forma, gravou discos que até hoje seguem sendo considerados pilares de sua carreira, caso de Saints & Sinners (1982) e Slide It In (1984). Seguindo a onda, se afastou do blues e se manteve próximo do heavy metal, lançando em seguida o espetacular 1987, seu maior sucesso comercial.
Amparado por hits como Is This Love, Bad Boys e Still of the Night e a regração de Crying in the Rain, o Whitesnake era agora um “Monstro do Rock”. Em seu line up – que nunca se repetiu a cada álbum – estava nada menos que Steve Vai, com quem gravaria ainda o álbum Slip of the Tongue e faixas que logo estariam em seu primeiro Greatest Hits, lançado em meados da década de 90.
Nessa fase o tempo parece ter sido cruel com David Coverdale, que novamente precisou se reinventar. Com problemas na voz, encerrou as atividades do Whitesnake, com quem ainda lançou um último álbum, Restless Heart. Notável por suas baladas, retornou pouco tempo depois com sua carreira solo, lançando o fraco Into the Light, disco que acabou levando-o novamente a excursionar mundo afora até que percebesse a hora de reformar sua antiga banda.
O retorno do Whitesnake pode ser considerado o novo renascer de Coverdale. Depois de algumas turnês ao lado de nomes como o Judas Priest, trabalhou em seu primeiro disco de inéditas desde o fim da década de 90. Good to Be Bad marcou um retorno à boa forma não só do Whitesnake, mas do hard rock em geral, que via o Scorpions e diversas outras bandas novamente ocuparem seu posto nas arenas do mundo.
Nessa década ainda foi possível conferir mais um álbum de inéditas, turnês marcantes e até um disco com covers do Deep Purple, mas mais do que isso, o que se viu foi um vocalista que soube se adaptar ao tempo e às suas limitações técnicas. Antenado às tecnologias e mídias sociais, David Coverdale se tornou um verdadeiro “cara legal”, que fugiu do conceito de rockstar para se manter sempre em voga. E conseguiu.
Mesmo abandonando o blues e praticamente servindo de recrutador de músicos para turnês, a essência do Whitesnake segue intacta quase quatro décadas após sua fundação. Decidido a repassar seu repertório e sem planos de um álbum de inéditas, a tour Greatest Hits da banda inglesa preenche um buraco que se abriu entre os anos 90 e a virada do século.
Como um bom vinho, David Coverdale segue envelhecendo com dignidade e rindo da vida. Como um rockstar continua levantando arenas e mostrando que um número nunca será suficiente para afastar sua vitalidade em cima de um palco.