Uma lenda. Uma mulher à frente de seu tempo. Inovadora, Annette Peacock vem ao Brasil como atração do festival Jazz na Fábrica, que é realizado anualmente no SESC Pompeia, em São Paulo.
Compositora, arranjadora, musicista, escritora e cantora americana é considerada a pioneira no uso de sintetizadores no jazz e já teve sua música gravada por artistas que vão de David Bowie a Brian Eno, Mick Ronson e Pat Metheny a Busta Rhymes e Morcheeba. Também teve sua formação pessoal e musical guiada por nomes como Timothy Leary e Robert Moog, esse último responsável por convencer a jovem artista a usar um de seus primeiros protótipos.
Não faltam adjetivos para definir a carreira de Annette Peacock, que desde os anos 60 percorreu os meandros do mundo da arte e chega ao Brasil ao lado de Roger Turner, percussionista com quem ela trabalhou nos anos 1980 e gravou o álbum I Have No Feelings (1989).
Uma rara oportunidade de conferir uma das artistas mais influentes da história, mas antes disso, de conferir uma entrevista com a mesma aqui no Passagem de Som!
A oportunidade de participar de um festival onde o jazz flerta com outras vertentes como Jazz na Fábrica
Annette Peacock: É sempre uma ótima ideia para os festivais dar a possibilidade de uma programação musical para todos os gêneros. O conceito de categorias é um caminho arcaico para o mercado da música. Músicos tem sempre que dizer “Música é música!” e as pessoas precisam ir até eles e ver o que essa música pode dizer a elas.
Eu estou muito empolgada por tocar em São Paulo. O Brasil é um país que sempre inovou na música, uma das mais belas expressões artísticas, algo que eu sempre amei!
A posição da mulher no jazz
Annette Peacock: Quando eu comecei no jazz, era considerada uma anomalia nesse universo de homens; e mais que isso, o jazz era um mundo tradicionalmente formado por homens negros, e eu era uma garota branca e jovem. Na época eu tinha consciência de que levaria muito tempo para ser levada a sério, mas nada disso me impediu porque eu só estava interessada em criar música e nada mais me importava. A mulher tem aceitação e poder na música hoje. É um momento de aceitação para todos!
A criação da própria gravadora, a ‘ironicrecords’
Annette Peacock: Estávamos prensando um vinil em 1981, quando comecei minha própria gravadora, a “ironicrecords” ainda estava florescendo a cena indie no Reino Unido. O CD aconteceu em 1985 e então anos depois o sistema de compartilhamento de arquivos surgiu, já em 1999. Com isso as pessoas criaram a expectativa de ter música sem precisar pagar por ela.
Os sites de streaming e – e os próprios consumidores de música – se tornaram cúmplices na utilização para o conteúdo criativo de compositores gratuitamente. E, embora o vinil tenha tido um ressurgimento nos últimos anos, as cópias impressas estão se tornando um formato obsoleto e o download é uma grande redução de receita para lançamentos de álbuns.
Parece que estou em um negócio que está saindo dos negócios. Claro, no futuro a música prevalecerá apenas como transferências digitais. Felizmente haverá uma maneira de pagar adequadamente os criadores pelo uso de seus trabalhos e a contribuição que a música fez para a vida das pessoas e negócios on-line.
A importância da arte em relação ao mundo
Annette Peacock: Artistas e músicos falam através de sua arte. Cada um deles tem algo significativo a dizer de uma maneira pessoal e única. Historicamente, essas declarações através de qualquer forma de arte são poderosas o suficiente para incitar uma mudança social. O mundo certamente seria um mundo melhor ser fosse cuidado por artistas, que naturalmente e encontrariam soluções criativas.
Evolução artística no mundo contemporâneo
Annette Peacock: Não houve uma evolução musical como houve quando eu estava crescendo. Agora, há apenas ecleticismo. No entanto, algumas pessoas estão fazendo um bom trabalho, mesmo que seu trabalho não seja particularmente original ou revolucionário.
O envelhecimento do jazz
Annette Peacock: Não houve nada de novo no jazz desde 1972. Deixo claro que não me vejo como artista de jazz. Comecei a compor para músicos da vanguarda do jazz porque era uma geração de plena liberdade, mas não ligo o que compus naquele período ao jazz. Era um novo gênero que eu chamava de “canção de forma livre” que eu criei como uma contribuição. Primeiro fiz tudo isso para a minha própria liberdade e depois mudei e saí do jazz para outros desafios interessantes.
Thom Yorke
Annette Peacock: Thom Yorke é um artista excelente e que sabe promover muito bem a sua arte. Gosto dele, mas ele não faz nada ligado ao jazz e nem mesmo nada de novo. Suas músicas são simplesmente compostas por um ostinato (que fique claro, um ÓTIMO ostinato), mas o Depeche Mode fez isso nos anos 80 com um coro. Sim, as suas músicas são minimalistas, mas o minimalismo não é novo, tem sido um linguagem pop comum há mais três décadas.
NR: na música, um ostinato é um motivo ou frase musical que é persistentemente repetido numa mesma altura. A ideia repetida pode ser um padrão rítmico, parte de uma melodia ou uma melodia completa
Um momento especial na carreira e o reconhecimento artístico
Annette Peacock: Eu não sou ambiciosa o suficiente para dizer que tive uma carreira. Fiz alguns álbuns no início, lancei alguns outros que foram considerados diferentes demais e nunca devidamente promovidos, que se perderam no mercado por 20 a 40 anos e que, felizmente, transcenderam o tempo e agora estão sendo descobertos por uma nova geração. Sou muito grata pelas pessoas que encontram a minha música e que minha música esteja finalmente encontrando seu público.
Futuro
Annette Peacock: Eu tendo sempre a improvisar e não planejar o futuro, embora suspeite que poderia me perguntar… ”O que você estava pensando?” e possivelmente decidir que não fazer planos era o melhor plano! Acho que provavelmente vou terminar e lançar um novo álbum; e então mudar para outro lugar, embora ainda não tenha certeza de onde…