Existe algo de irônico na história do Bazar Pamplona. Não, não é só na história, mas a música também. E por isso é tão legal!
Formado por Estêvão Bertoni, voz e guitarra; João Victor, guitarra; Pinguim Miranda, teclado e baixo; Rafael Capanema, baixo e teclado; e Rodrigo Caldas, bateria, o grupo que estabeleceu uma sólida base de fãs na cena alternativa há quase uma década está de volta, mas da forma mais estranha possível.
Seis anos separam o último disco do grupo, Todo Futuro É Fabuloso (2012), de seu belíssimo Banda Vende Tudo, lançado em 2019 e forte candidato a um dos discos mais interessantes dessa nova e boa remessa de bons nomes que brilham pelo underground nacional. Há o folk, há o rock, há aqueles riffs capazes de fazer pular enquanto nos concentramos nas letras do grupo. Tudo é um grande paradoxo, inclusive o futuro da banda, que quebrou um hiato de seis anos e agora promete seguir firme… para nossa alegria.
Depois de se apresentar com a Patife Band na última semana, o Bazar Pamplona faz o show de lançamento nessa sexta, 19/abril, no Centro Cultural SP. É o cartão de boas-vindas de quem não deveria estar longe há tanto tempo. Claro, estamos todos ansiosos, mas antes de ver o Bazar Pamplona, o Passagem de Som teve a oportunidade de conversar com a banda em uma grande entrevista, que você confere agora!
O ponto de partida para a gravação de Banda Vende Tudo
Estêvão Bertoni: A gente decidiu que precisava gravar um disco novo depois que uma música nossa, do Todo Futuro É Fabuloso
(2012), foi parar na trilha sonora de um filme alemão premiado no
Festival Sundance. Isso aconteceu em 2017 e, no final daquele ano a
gente começou a fazer o Banda Vende Tudo. O episódio serviu
como um empurrão. Pensamos: “Vamos voltar a fazer música, tem alguém
ouvindo do outro lado do mundo”. Desta vez, a gente fez um álbum de
estúdio mesmo, ao contrário dos anteriores, que foram gravados ao vivo.
Isso fez com que ele soasse diferente dos outros. A gente ficou muito
feliz com o resultado. Fizemos com calma, sem atropelos. E lançamos
graças a uma campanha de financiamento coletivo. Desde janeiro ele está
no Spotify e demais plataformas digitais. Algumas eu nem sei o nome.
Quando começamos a banda, em 2005, 2006, nenhuma dessas ferramentas existia. Não tinha a possibilidade de contar com apoio dos fãs e amigos por meio do Catarse nem a chance de distribuir para tantos sites de streaming. Muita coisa mudou pra melhor nesse tempo, mas acho que continua difícil ser uma banda independente, por causa dos muitos perrengues pelos quais a gente passa, principalmente em relação aos shows e à estrutura das casas, os baixos cachês etc. A gente continua a pé no fim das festas, como diz a faixa-título do álbum.
As semelhanças e diferenças entre Todo Futuro é Fabuloso e Banda Vende Tudo
Estêvão Bertoni: É engraçado porque, apesar de ser de 2012, muita gente só foi conhecer o Todo Futuro é Fabuloso partir de 2017. A música que entrou no filme alemão, “É tão cafona o que eu sinto por você“, já tinha cinco anos quando foi parar no cinema. A gente fez o Banda Vende Tudo
tentando dar uma continuidade ao trabalho anterior. A primeira música
do disco novo cita a última faixa do disco velho. É uma retomada. A
gente queria que o álbum novo fosse uma espécie de recomeço. Que a gente
deixasse o passado pra trás e recomeçasse do zero, como acontece
naqueles bazares de “família vende tudo”, em que famílias se desfazem de
todas as tralhas por estarem de mudança. Foi o mote para o disco.
A estética da música do Bazar Pamplona
Estêvão Bertoni: Acho
que tem um pouco de conceitual, mas nem tudo foi planejado assim. A
gente foi pensando nos arranjos faixa a faixa, sem conseguir enxergar o
todo com antecedência. Algumas poucas coisas nasceram já com a ideia do
álbum na cabeça, como “Fora de Lugar“. Foi feita pra ser a
primeira faixa, para apresentar a volta da banda. Quem canta a primeira
parte dela é o Rafael Capanema, que é o nosso baixista. A gente queria
passar a ideia de que o Bazar estava voltando de um longo e tenebroso
inverno, mas para o ouvinte que conhecia os trabalhos anteriores alguma
coisa pareceria errada, fora de lugar, estranha, já que a voz do
“vocalista” soa “outra” no começo do disco. A gente queria causar a
sensação de que alguma coisa está mudada. Não sei se conseguimos esse
efeito. Como o disco foi feito em estúdio, estamos ainda aprendendo a
tocar as músicas ao vivo, fazendo os primeiros testes nos shows,
tentando substituir a ausência de metais em algumas faixas, até nos
acostumarmos com elas. Mas acho que as canções novas combinam bem com o
repertório antigo.
A possibilidade de ver sua música em outras mídias
Estêvão Bertoni: O
episódio do filme foi surreal. A música acabou sendo usada quase
inteira numa cena longa em que duas meninas estão dirigindo por Berlim
enquanto escutam Bazar Pamplona no carro. E elas cantam o refrão em
português! É quase um videoclipe. Depois do filme, curiosamente,
passamos a vender “É tão cafona” mensalmente pelo iTunes para
ouvintes na Alemanha e Áustria. Chegamos a um ponto em que a terceira
cidade na qual tínhamos mais ouvintes no Spotify era justamente Berlim,
atrás apenas de São Paulo e Rio. Isso aumenta a possibilidade de
chegarmos a mais pessoas, a lugares distantes que nem imaginaríamos um
dia chegar. Tentamos sempre criar para outros meios. “É tão cafona“,
na verdade, foi feita sob encomenda para tocar numa peça. Chegamos a
nos apresentar no teatro, fazendo a trilha sonora ao vivo, no palco,
enquanto os atores atuavam. Mas, por incrível que pareça a gente sempre
fica emocionado mesmo quando toca em alguma estação de rádio, que é um
canal “velho” já. A faixa “Nós Dois“, por exemplo, entrou na
programação da rádio Brasil Atual (98,9 FM), e dois integrantes da
banda, sem querer, conseguiram ouvir no carro. Foi demais!
As motivações de se fazer música hoje comparado com a última década e a necessidade de se posicionar
Estêvão Bertoni: É
diferente, sim. Começamos a tocar numa outra época, em que o país ia
bem economicamente. Politicamente parecia mais estável. Acho que o
contexto atual acaba interferindo, mesmo que indiretamente, nas
composições. Todo mundo é afetado pelo clima político, pelo humor da
sociedade. A segunda música que lançamos do disco novo, “Dias Gordos“,
ganhou um videoclipe em que usamos imagens históricas do Brasil, dos
anos 1950. Nesses registros de domínio público, há um desfile militar.
Montamos o vídeo às vésperas do segundo turno, em 2018. Ele dialoga com o
momento em que foi feito. O rio, nas imagens finais, está correndo ao
contrário. Acho que qualquer pessoa que decida fazer música já está
assumindo um lado nesse contexto, e obrigatoriamente, vai ser de
contestação e provocação, mesmo que implicitamente. É o papel da arte.
Ela existe para isso. Há poucos artistas que fazem o contrário, mas são
só um pastiche.
A possibilidade de se experimentar na sonoridade e criar sua própria identidade
Estêvão Bertoni: A
gente adora Beatles. Sempre foi a maior referência da banda,
principalmente as fases mais experimentais deles. Neste último disco, a
gente fez muitos testes, colocou instrumentos que a gente nunca tinha
gravado anteriormente. Tem metais, violoncelos, pianos. E tudo o que a
gente ouvia na época das gravações servia de referência. A gente criou
uma playlist entre a gente para ir jogando coisas que gostávamos e que
de alguma forma poderia enriquecer o processo. Uma sonoridade diferente,
algum arranjo ou timbre esquisito. Tudo parava lá. Tentamos, no Banda Vende Tudo, misturar as estranhezas que gostávamos sem perder o lado pop que algumas canções tinham.
O folk hoje
Estêvão Bertoni: Em
relação ao folk eu parei no Bob Dylan, me perdi na obra monumental dele
e nunca mais consegui sair dela (risos). Não saberia analisar o que é
feito atualmente nesse gênero. Sou vidrado nas músicas e na carreira
dele, vi vários shows mesmo sabendo que eu me decepcionaria, porque o
que ele faz ali é muito diferente do que conhecemos das gravações dos
anos 1960 e do que esperamos ver e ouvir. Mas continua foda, de outra
forma. Acho que o mais próximo e atual que ouvimos dele é uma ou outra
coisa do Wilco. Não sei o que é feito do folk atual. Todo gênero tem sua
essência e acaba sendo, de alguma forma, pasteurizada pela indústria.
Pode acontecer com o folk, com o rock, com o funk. Acontece em outras
artes, na literatura, na fotografia, no cinema. É assim que funciona.
Mas o Bob Dylan sempre vai estar ali para quem quiser ouvir.
A relação custo x benefício para o fã diante da oferta de música
Estêvão Bertoni: A
gente estava conversando sobre isso outro dia e brinquei que, em
relação aos festivais, parei no último Free Jazz Festival, em 2001.
Abandonei os festivais faz muito tempo. Fui em um ou outro depois. Gosto
de ver shows em lugares pequenos, na choperia do Sesc Pompeia, no
Centro Cultural São Paulo. Os festivais, porém, são grandes
oportunidades para ver artistas legais de fora. É fato. E muitos deles
valem a pena, não? Antigamente, era muito mais difícil alguém vir tocar
no Brasil. Hoje, ficou fácil. Paul McCartney veio mais de 25 vezes ao
país nos últimos anos.
Não consigo me lembrar se esses shows eram tão caros no passado. Acredito que não. Os preços, hoje, são irreais, mas mesmo assim os festivais continuam abarrotados. Alguns, inacreditavelmente, levam até bandas pequenas pra tocar e não pagam cachês. O que precisa para a organização e o patrocinador entenderem que isso está errado? Ainda bem que tem jornalista para denunciar, por mais que façam campanha, atualmente, contra os jornalistas. Isso aconteceu recentemente. E, sim, há muito mais interesse em ver artistas internacionais em grandes festivais do que bandas independentes nacionais em pequenas casas de show, é só sair de casa para ver como funciona. Os artistas dos festivais estão inseridos numa máquina monstruosa de publicidade, é natural que esses eventos estejam mais cheios e que sejam cobiçados pelo público. Como comparar?
A demonização do pop
Estêvão Bertoni: Algumas músicas do Banda Vende Tudo
têm um pouco de pop, sim, no sentido se serem populares, acessíveis,
simples, diretas, sem floreios. Se a gente conseguisse, faria todas
assim, mas nem sempre a fórmula funciona. Aliás, com a gente, funciona
muito pouco. Pra gente, foi uma surpresa que “É tão cafona”
tenha chamado a atenção de uma diretora de cinema alemã que a usou no
filme e que ela seja a mais escutada no Spotify. Ela tem uma introdução
longa demais! E músicas radiofônicas não são assim, são diretas, não
perdem tempo. Elas disputam por atenção. Se “É tão cafona”
tivesse passado por um produtor com cabeça do mercado, ele teria cortado
alguns trechos. Sorte a nossa que isso não aconteceu. Sobre os canais
especializados, muitos deles foram desaparecendo porque a mídia
tradicional foi se acabando por uma série de motivos, como a
popularização da internet, por exemplo. É uma pena que alguns veículos
que tinham conteúdos muito bem elaborados tenham fechado, como a MTV.
Mas sempre haverá outras alternativas. Coisas novas surgiram e ainda vão
surgir. Não adianta ficar lamentando.
Bazar Pamplona daqui pra frente
Estêvão Bertoni: A
gente tem tido uma boa resposta em relação ao disco novo. Nossa
preocupação agora é mostrá-lo ao vivo. Faremos o lançamento oficial no
Centro Cultural São Paulo, em 19 de abril, e esperamos rodar mais com
ele, especialmente em outras capitais. A ideia é não deixar parar mais a
banda. Como diz a letra de “Fora de Lugar“, “se eu voltei, é pra ficar“.
Já estamos pensando em como vai ser o quarto disco. Não queremos
demorar mais entre um lançamento e outro, como acontecia antigamente.
Afinal, as músicas não podem parar, né?