Se perguntarmos a qualquer artista qual o significado sinônimo do sucesso, certamente estaremos diante de um grande debate, mas todos caminharão por uma mesma linha, a do reconhecimento. E esse é o primeiro ponto que refletimos ao investir na obra de Bemti, que lançou em 2018 seu primeiro trabalho solo, o belíssimo era dois. Disco que exala a experiência de quem construiu sua ligação com a música através da banda Falso Coral.
Tudo é dotado de rara beleza. É sutil, bem trabalhado e encanta, encanta em muito um público que aprendeu a conhecer sua obra através da internet e hoje lhe rende uma quantidade de views tão impressionante que ficamos nos perguntando por onde se escondia a obra de um artista que nasce pronto e completo para o público. Em um disco que investe em diversas sonoridades, a sutileza se torna a marca registrada de quem parece brincar com os acordes da mesma forma que um químico com elementos naturais.
É baseado nessa capacidade de criar belíssimas canções que o Passagem de Som conversou com Luís Bemti. Falando do álbum, de seu talento como compositor e especialmente sobre tudo o que cerca um dos discos mais bonitos lançados esse ano. Uma entrevista leve como a brisa, tal qual a música de Luís.
A produção do álbum e o feedback imediato
Bemti:
Eu acho que muita gente têm vontade de ouvir (e abertura pra receber)
uma música que é mais emotiva sem ser clichê, confessional, com timbres
diferentes… e tudo isso ainda sendo pop. Eu tenho uma “missão pessoal”
já faz alguns anos de colocar a viola caipira em outros contextos
musicais, mas quando eu estava dando os últimos retoques no disco e já
tava tendo uma recepção muito legal de amigos que estavam escutando, eu
entendi que a minha “missão” na verdade era conseguir fazer música pop
diferente que eu gostasse muito sem precisar nivelar com certas
expectativas, como por exemplo soar exatamente igual a maioria das
pessoas que estão fazendo música pop etc. Então o meu disco é pop com
elementos que eu gosto e queria ouvir (o folk, o synthpop, a viola…) e
só posso agradecer tanta gente estar se identificando com ele! Tem
muita coisa envolvida mas acho que fazer música com o coração é sempre
uma boa “aposta” na hora de tentar atingir o público. Essa recepção só
tem me provado que tem muita gente que quer sim ouvir coisas feitas com
verdade, que você não é obrigado a se encaixar à força numa fórmula de
sucesso do que ta rolando por aí.
As participações da banda Tuyo e Natália Noronha, além, claro, de Johnny Hooker. E como isso vai funcionar ao vivo
Bemti: O Johnny e a Fernanda Kostchak (que toca o violino de Tango)
eu já conhecia antes e os convites surgiram de uma forma muito legal e
muito natural. A Natália e os Tuyo eu chamei na cara de pau mesmo! Não
conhecia pessoalmente e foi genial ter rolado porque imaginava muito as
músicas com essas vozes! Fico muito feliz pelas músicas (mesmo lá atrás
em versões super cruas) terem tocado esses artistas que eu admiro muito e
feliz pelas amizades que surgiram dessas parcerias!
Sobre o ao vivo, como os primeiros shows são mais especiais, estou planejando sempre convidar alguém para participar (entre os artistas que participaram do disco ou outros amigos), mas meus outros dois companheiros de banda também cantam e vão ajudar bastante nos vocais de apoio quando eu fizer shows sem convidar ninguém.
O transporte da música para o videoclipe
Bemti:
Eu sou formado em Audiovisual (também trabalho com roteiro e montagem)
então pra mim o visual é tão importante como a música e tenho sorte de
ter muitos amigos na área que estão sempre por perto. O que pouca gente
sabe é que quando você está assistindo o clipe de Tango ou de Gostar de Quem,
não está vendo só meu trabalho de cantor/músico/compositor, também está
vendo meu trabalho de roteirista, montador e codiretor (os dois clipes
dirigidos com a incrível Thais Taverna). Então é um processo muito
natural porque a minha expressão através do videoclipe vem tão de dentro
quanto a minha expressão musical. E mesmo com todas as limitações de
orçamento que tivemos nos dois clipes (foram produções 100%
independentes) todos ficamos orgulhosos demais dos resultados.
E por ser tão parte da minha criatividade, por mim eu faria clipe de todas as músicas! Mas como a vida real não deixa vamos fazendo aos poucos! Quero muito fazer um clipe da “Às vezes…” com a Natália Noronha (ela também quer muito) e explorar um visual mais divertido e nostálgico do meu trabalho. Mas sem previsão por enquanto.
O papel da mídia em relação a novos artistas
Bemti: O
resultado numérico e o retorno do público tem sido lindo! Conhecendo
muito o cenário alternativo brasileiro o que eu tenho como meta de
sucesso é conseguir me sustentar com música. É incrivelmente difícil. Se
eu conseguir atingir essa meta daí dá pra alçar voos mais altos. Sem o
lucro da mídia física tradicional os caminhos são outros: shows,
parcerias, merchandising… mas ainda quero prensar o vinil do “era
dois”!
Atingir a mídia e atingir o público são missões que precisam andar lado a lado e hoje em dia são complementares. Às vezes é a pressão do público que vai colocar certos artistas no radar de mídias mais difíceis de serem “conquistadas”. Mas só o respaldo da crítica não faz o artista conquistar o público também. Acho que falta mais espaço nas rádios e na TV aberta, principalmente pra programas musicais com artistas que não se enquadram no formato de reality show. A internet democratizou tudo mas a TV aberta ainda é muito importante pra música chegar em uma grande parcela do público e é um campo super fechado pra artistas independentes (assim como a maioria das rádios).
Ser artista em tempos de polarização e conservadorismo
Bemti: No
meu caso cantar abertamente sobre ser gay e me apresentar publicamente
como gay nos clipes já me coloca no olho do furacão das
responsabilidades, polarizações, posicionamentos… Já recebi tanta
mensagem legal de gente que se identificou e se emocionou com meu
trabalho que eu percebo como são importantes todas essas
representatividades! É o que eu sempre digo, se você se expressa de
qualquer forma e está numa posição normalmente que é normalmente
discriminada, ocupe esse campo de expressão falando abertamente sobre
quem você é. A sociedade muda quando essas diferentes representações
ocupam os diferentes espaços. Por ser gay, minha paixão pela música não
pode ser separada da responsabilidade social de ser um artista num país
tão homofóbico. Não esconder quem você é já te encarrega dessa
responsabilidade, querendo você ou não.
Muito além do lançamento do disco
Bemti: É
o meu primeiro disco e ele saiu há 3 semanas então estou aprendendo
todos os dias! O mais complicado é ser independente e tentar encontrar
espaço entre lançamentos de gravadoras, artistas com milhões de
seguidores, etc. Mas vamos lutando!
O folk na música brasileira hoje
Bemti: Acho
que já passou um pouco o zeitgeist do indie folk que veio junto com
bandas como Mumford and Sons e o primeiro disco da Florence, acho que o
que rola hoje é outro boom. Temos uma cena forte que usa elementos do
folk mas acho que ela bebe mais na fonte da “nova MPB” que surgiu nos
idos de 2010 do que do folk, fazendo um som brasileiro com elementos
acústicos e influências estrangeiras. Apesar da viola caipira ser a
protagonista nos instrumentais do meu disco ele não é um disco folk, ele
é um disco que passeia por vários gêneros como indie folk, synthpop,
mpb… Nesse caldeirão de influências é difícil falar em cena mas
consigo traçar várias paralelos entre o meu trabalho com Vanguart,
Anavitória, Castello Branco, Tulipa, Jenecei, etc.
“A gente combina” e o pop novamente como sinônimo boa música
Bemti: Ela
é super influenciada pelo rock alternativo britânico do começo dos anos
2000. Queria que ela fosse um hit perdido dessa época só que em
português. É necessário mas não é obrigatório! É como eu falei
anteriormente sobre ser pop mas dialogando com a sua própria verdade,
sem copiar fórmulas etc. Precisamos de mais referências pra música pop
no Brasil em geral, porque dá pra ser popular sem precisar nivelar por
baixo. Anavitória é um ótimo pop, Skank é um ótimo pop, Anitta é um
ótimo pop… Como pessoa do interior eu posso dizer por causa própria
que a música em grande parte do Brasil é completamente dominada por
ritmos massificados que dominaram tudo, você liga as rádios e parece que
está ouvindo a mesma música por 24 horas. Desejo toda força do mundo
pra quem tenta ser pop sem precisar entrar nessas fórmulas, é uma
batalha gigantesca.
Futuro
Bemti: O “era dois”
está batendo 100 mil streams no Spotify 3 semanas depois do lançamento!
Isso é importante demais pra quem é independente. Agora é fazer o disco
chegar no maior número de pessoas possível e visitar diversas cidades
com o show (que está bem lindo).