Um dos músicos brasileiros de maior reconhecimento internacional, o bandolinista Hamilton de Holanda é mais uma atração da edição 2021 do SESC Jazz. Vencedor de diversos prêmios Grammy Latino, com mais de 30 discos, segue mantém no improviso sua marca registrada, assim como o bandolim de dez cordas que o acompanha – uma versão ampliada do tradicional instrumento de 8 cordas -, construída pelo próprio.
Para o SESC Jazz Hamilton apresenta um show especial, “Onde o Choro encontra o Jazz”, onde promove essa parceria de “primos-irmãos” em uma verdadeira viagem musical.
Conversamos com Hamilton de Holanda sobre esse mergulho na obra de Pixinguinha, sua influência no jazz e o retorno do público aos palcos. Além de diversos outros assuntos que você confere agora em uma ótima entrevista.
A participação no SESC Jazz 2021
Hamilton de Holanda: As minhas expectativas sempre são as melhores possíveis, eu estou muito feliz de poder a voltar a tocar no SESC, no SESC Pompeia, um lugar onde já aconteceu tanta coisa legal na minha carreira, muitos shows memoráveis. E agora dar esse pontapé, ainda com muitos cuidados, a gente ainda precisa vacinar mais gente, mas ao mesmo tempo a luz já apareceu, a maior está vacinada e isso nos dá uma segurança para o convívio. Essa distância foi algo que fez muita falta, é um show especial para mim, tenho certeza de que todos vão perceberam essa emoção do recomeço.
O contato com o público
Hamilton de Holanda: Foi como eu disse, a população vacinada e os casos realmente caindo constantemente mudou o panorama de tudo e dá uma segurança para convivermos muito mais. Sempre tendo a higiene em observação.
Temos que ter atenção com tudo e eu sinto isso. Essa tensão é dividida com extremo prazer de conviver novamente com as pessoas. De fazer parte de uma comunidade. De um lugar. Isso é realmente confortante.
A arte afetada pela pandemia
Hamilton de Holanda: Acho que já mudou o comportamento na relação com a arte. Uma coisa que pra mim ficou muito clara é que, apesar das distâncias, as colaborações entre artistas aumentaram de uma forma muito significativa. Nunca vi uma pesquisa exata sobre isso, mas só de passar nos feeds das redes sociais passamos a ver muito mais gente realizando parcerias, colaborações, uma quantidade muito grande.
Esse recomeço passa pelo fato das pessoas darem as mãos e seguirem em uma direção colaborativa. A arte mostrou isso na pandemia. Colaboração é o caminho nesse mundo que tá passando por um momento tão difícil, mas temos que nos apegar nas coisas que nos levam para a frente.
O intercâmbio entre o jazz e o choro, além da influência de Pixinguinha
Hamilton de Holanda: Eu vejo choro e jazz como primos e irmãos, realmente. De um começo ligado às raízes negras, ao ritmo, à superação e coisas da vida da população comum. Então o choro tem isso na essência. Então fazer essa conexão é sempre uma busca em certos trabalhos que eu faço, mais específicos para o choro, para o Pixinguinha.
Eu fiz um álbum chamado “O mundo de Pixinguinha” (N.E.: lançado em CD em 2013 e, posteriormente, em 2016, também em DVD) tocando com músicos de jazz. E foi um resultado maravilhoso porque eles se emocionavam com a música de Pixinguinha. Eu vejo que os músicos de jazz, quando ouvem ele, ficam realmente fascinados.
Muitos já conhecem, claro, mas me lembro quando o Chick Corea (N.E.: lendário pianista e tecladista de jazz estadunidense, considerado um dos pais do fusion jazz) me viu tocando Segura Ele, de Pixinguinha e Benedito Lacerda, com o Stefano Bollani (pianista italiano), ele ouvia aquela música impressionado, ficou empolgado e começou a filmar. O Chucho Valdés (N.E.: pianista cubano de jazz, fundador do grupo Irakere), quando participou desse projeto chorou com a música Lamento. Wynton Marsalis também tem uma relação muito forte com Pixinguinha, mas a gente como amante, eu como amante do choro, sempre estou divulgando e tocando nos shows, mostrando a influência dele na música, por exemplo, do Tom Jobim. Isso é uma forma prática de mostrar o tamanho da influência desse tipo de música, tanto que posteriormente a música de Tom se transformou em standard de jazz. Gosto de mostrar isso de uma forma alegre e grato por recomeçar a fazer isso diante do público.
A conexão do público brasileiro com o jazz
Hamilton de Holanda: Não acredito que o público daqui esteja se distanciando da música brasileira. O público local, aparentemente, em função de coisas que acontecem na música do mainstream, da música da moda que toca no rádio, essa obra brasileira que é de raiz (como o Choro), acredito que seja esse o objeto da questão, eu vejo uma juventude sempre atenta e querendo aprender.
É algo me encanta, mas é claro que, como música, o Choro é mais que centenário e acaba se tornando um patrimônio, então ele tem que receber o cuidado do governo, um cuidado oficial, porque se transforma em riqueza cultural. Na minha forma eu vou tocando essas músicas por esses motivos, para mostrar esse Brasil, mas principalmente porque elas fazem parte da minha história. É um acesso que eu tenho a um afeto, a algo muito especial que aprendi com a minha família sobre música, sobre nomes como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Ernesto Nazareth, Tom Jobim e outros mais, que fazem nossa música tão rica.
A inclusão no jazz
Hamilton de Holanda: Eu não conhecia o trabalho da Funmilayo Afrobeat (que também é atração do SESC Jazz 2021) e fiquei super empolgado para ouvir. Acho que é isso, temos que integrar e entender que somos iguais em vários sentidos, diferentes em outros, mas como diz Hermeto Paschoal, somos semelhantes. Precisamos ter uma postura não só de tolerância, isso é o mínimo, nem devíamos discutir algo assim, mas vivemos em um tempo muito complicado e isso precisa ser afirmado. Acho que isso é ótimo no jazz em qualquer vertente musical.
O virtual daqui para a frente
Hamilton de Holanda: Eu acho que a necessidade do coletivo, da gente estar juntos, estarmos construindo o futuro juntos, isso foi o que ficou para mim mais aparente. Como faz falta você estar perto das pessoas. E através da tecnologia, das redes sociais, a gente pode chegar perto das pessoas.
Isso quer dizer que, do ponto de vista afetivo, essa atividade dos shows on line acabou se tornando um produto. Uma necessidade das pessoas terem ali um encontro em uma live, em um bate-papo, uma coisa profissional ou até aquele vídeo feito sem produção, enfim, a gente pode perceber como esses vídeos e esse trabalho audiovisual influenciam no dia a dia da vida do artista e de todo mercado que ele envolve.
Essa tendência de shows on line, por exemplo, se você está na cidade você vai até o lugar, mas se você é fã e está acontecendo uma transmissão, por que você não vai assistir? Abriu mais uma possibilidade do ponto de vista do mercado. Sabendo colocar esse formato dentro de uma volta à realidade, isso certamente vai ser muito positivo.
A tecnologia e o bandolim
Hamilton de Holanda: A tecnologia tem um papel fundamental hoje, não dá para vivermos sem ela. Seja a tecnologia do instrumento, do artesão, do luthier que constrói meu bandolim, dos luthiers do Brasil, que fazem ótimos instrumentos. Da tecnologia das fábricas que constroem os captadores, os microfones, de termos amplificadores, microfones e bons estúdios, tudo faz parte de uma cadeia tecnológica que estamos inseridos.
Eu sou orgânico porque meu instrumento, o bandolim, inspira esse olhar para a madeira, a acústica e tal, mas é inegável a importância da tecnologia. Sem dizer do papel na divulgação de redes sociais e tudo que podemos atingir.
Meu orgânico faz parte de um contexto do mundo em que ele é uma grande ilha, tecnologicamente pensando e trabalhando. Você está do lado da pessoa. Falamos com o Japão em um segundo, isso é muito forte e o mercado absorveu isso, precisamos estar atentos como profissional para entender como ela pode beneficiar a divulgação das boas ideias, das músicas, do caráter educativo. Indo mais afundo, amoroso também. A minha comunicação como artista é de passar algo amoroso e afetivo para a plateia. O que houver de tecnologia teremos que aprender e reaprender, temos que ser amigos do tempo.