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Entrevista JAI MAHAL

28 de junho de 201911 min read

Em um país tropical como o Brasil, o reggae deveria ser tão popular como o samba. Não é, mas segue movendo milhões de pessoas com um ideal de paz e positividade por onde passa. E nesse universo tão peculiar uma figura se destaca: Jai Mahal.

Divulgando seu novo álbum ao lado dos Pacíficos da Ilha, o ótimo Imperatriz Assassina, Jai Mahal é seguramente uma das maiores autoridades sobre o ritmo jamaicano no Brasil. Um estudioso. Um músico que sabe como poucos mostrar como a vertente que consagrou Bob Marley é tão brasileira. Dono de um currículo extenso, que envolve aí o histórico programa de rádio Reggae Raiz, apresentado na época ao lado de China Kane, Jai Mahal tem o reggae no sangue de uma forma que fica difícil separar um do outro.

Por esse motivo, um lançamento envolvendo seu nome não é qualquer coisa. É motivo de celebração, tanto quanto de uma verdadeira aula de música, algo que pode ser conferido em um disco que transita por vertentes como o samba, a MPB e o pop, mas que é simplesmente reggae. Para se ter uma ideia, o clipe da faixa-título do disco pode ser conferida clicando aqui. Uma pequena amostra de um disco rico em todos os sentidos.

Com imensa honra e muita admiração, o Passagem de Som conversou com Jai Mahal sobre o novo álbum, o engajamento do reggae e diversos outros assuntos.

O reggae e sua identidade tão brasileira
Jai Mahal: Acho que o Brasil tem o privilégio de ter preservado sua cultura de raiz de tambores e cantos africanos, indígenas, misturando também com a colonização europeia. Isso torna mais fácil a identificação e a troca rítmica e cultural com a música jamaicana que também veio de várias misturas. 

A diversidade do álbum Imperatriz Assassina e a facilidade com que o reggae abraça elementos de música brasileira
Jai Mahal: Sou daqueles que ouvia e reouvia milhares de vezes uma música, analisava e percebia que sempre existia uma coisa coesa naqueles discos dos Beatles, Caetano, Bob Dylan Stevie Wonder, Bob Marley e todo mundo. Cada disco sempre tinha uma cara, um clima. A gente (artista) sempre tenta fazer isso através das escolhas, da ordem das músicas. Acho importante saber misturar e mostrar a nossa cultura. Muitos puristas não gostam disso, mas provavelmente os próprios jamaicanos devem valorizar essas misturas. Nós, os regueiros de carteirinha, gostamos de tocar com gente que gosta e sabe tocar reggae e de preferência seja regueiro também, porque aí sempre vai sair com aquela assinatura, mesmo sendo outros ritmos. 

O reggae tem na sua história essa característica de transformação de linguagem. Eu tenho minhas preferências de época, mas também acompanhamos os novos tempos, assim que arte evolui, né? O reggae tem uma essência que procuramos respeitar para manter o clima, mas transgredir é o que revoluciona o som. Tradição demais acaba engessando novas possibilidades.

O idioma inglês e o português no reggae
Jai Mahal: A faixa The Officer Was Singing foi composta em inglês meio que espontaneamente, já que compus cantando sozinho a cappella. Não dava pra verter para o português. O clima era esse mesmo, The train e essas coisas… Mas tem outra música no disco, A Longa Time Ago, que é em inglês e sempre que eu a canto nos shows fico com um pouco de vergonha porque acho que o legal é cantar mesmo em português. Parece que estou tocando um cover. Um dia sai uma versão em português dessa. 

Não é tão fácil conquistar um público internacional com músicas em português, mas acho meio artificial ficar compondo em inglês sem ter domínio da linguagem. No final compomos para o Brasil e aqui falamos em português. Algumas coisas podem ser vertidas para o inglês, mas sem forçar a barra. O que acho  mesmo é que a linguagem do reggae brasileiro deveria ter uma identidade mais brasileira mesmo. Alguns artistas são bons nisso. Outros nem tanto.

A função social do reggae
Jai Mahal: Na Jamaica o reggae teve uma função muito importante, que é de uma identidade social e uma proposta de transformação através de atitudes e costumes. 

Acho que o reggae, como Bob Marley disse, tem esse viés social, mas também espiritual. O problema é quando esse espiritual se torna um dogma restritivo, tipo religião organizada. Mas o exemplo que Bob Marley deixou é o de usar o reggae como um veículo de união e conscientização, mas também de expressar as paixões humanas. Acho que a união do discurso do rap com o reggae aquele que mais consegue fazer uma crítica aguda da sociedade.  

A riqueza da música brasileira
Jai Mahal: Tem brasileiro que conhece sua cultura e tem brasileiro que só está ligado em sertanejos, funks e afins. Tudo tem uma razão de ser, mas fico impressionado como a juventude perdeu as referências. Está faltando cultura pra galera, mas os artistas continuam insistindo. Alguém há de vencer. 

O reggae em relação às suas lendas
Jai Mahal: O reggae teve sua época de ouro nos anos 70 e 80, muita coisa fica meio enlatada com o tempo. Eu gosto de ouvir coisas do passado, mas fico atento naquilo que acho interessante no presente.  Tem uma cena muito forte do reggae mundialmente, com novos ídolos e tudo. Fico atento a tudo, mas gosto dos meus discos velhos. 

A relação do reggae com o mainstream
Jai Mahal: Hoje em dia existe uma grande mídia, mas existem as mídias sociais que muitas vezes levam alguns artistas para a grande mídia. 

Existe um caminho a ser trilhado se você almejar a grande mídia. Um deles é fazer coisas que as pessoas consomem imediatamente, como bundas e afins. Houve um tempo em que aquilo que era vendido precisava ter uma certa qualidade sonora. Hoje em dia… não necessariamente…  Mas vamos tentando fazer coisas que a gente gostaria de ouvir, tudo é uma luta.  Eu não tenho mais aquela beleza da juventude, mas o charme da experiência. Quem sabe conseguimos dar um rolê mais glamouroso por esse mundão. Vou continuar tentando.  

O mercado digital e a experiência no rádio
Jai Mahal: Muita gente que está na ativa no mundo do reggae hoje em dia vem me falar que gravava várias fitas do programa em um tempo em que o veículo era aquele mesmo, a rádio ou programas especiais de TV.

Ainda acho importante esses veículos. Eles têm um alcance bem maior do que se imagina, mas hoje existe a internet, que por si só dá acesso irrestrito a todos os artistas. Isso é bom mas as coisas não são tão valorizadas porque não são tão raras. Ainda assim gosto muito dessa era digital pela possibilidade de resgatar tudo que quiser ouvir de artistas que, antigamente, se tinha acesso restrito. Estou tentando entrar um pouco nessa nova era, mas meio sem pressa. Já carreguei muito disco, agora quero aprender a fazer uma boa discotecagem só do celular. Ainda chego lá, sem nem precisar sair do lugar. 

Imperatriz Assassina no palco
Jai Mahal: Até o momento fiz apenas um show com esse repertório e foi bem legal lidar com essas outras levadas. Costumo dizer que só preciso resolver um problema sério na minha vida: fazer mais shows. Só precisamos disso. 

Jai Mahal daqui para o futuro
Jai Mahal: Minhas metas agora são fazer shows e começar a fazer coisas novas buscando parcerias, que podem facilitar muitos corres. Tentar trabalhar esse lance de imagem (clipes), que é uma coisa bem legal também.

Vou tentar também me superar para fazer uma performance portátil de rua , que é um lance de aprender a se mostrar de maneira inusitada.  Tenho um bom material pra isso… Talvez entrar no metrô gritando “Eu queria ser famoso, ter mulheres, champanhe, iates caríssimos e ainda não consegui isso… Será que vocês poderiam me ajudar?”. Coisas assim me interessam. Tem que fazer e sair correndo. O seguranças podem ser violentos….

Anderson Oliveira

Diretor de Arte há duas décadas, fã de Grateful Dead e Jeff Beck, futuro trompetista e em constante aprendizado. Bem-vindos ao meu mundo, o Mundo de Andy.

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