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Entrevista THE INTERNATIONAL NOTHING

20 de dezembro de 201811 min read

Michael Thieke e Kai Fagaschinski pertencem a uma cena extremamente exclusiva. Uma que não toca no rádio, muitas vezes nem mesmo é considerada música para uma parte do público, mas que reúne fanáticos e adeptos aos quatro cantos do mundo. No Brasil isso acontece especialmente dentro do super festival Novas Frequências, que acontece todo mês de dezembro no Rio de Janeiro. E o The International Nothing foi uma das atrações dessa edição, que trouxe – entre outros – o descoladíssimo Fennesz ao país.

Em posse de dois clarinetes, Michael e Kai formam um duo baseado em Berlim, trabalham com conceitos de psico-acústica, onde coletivamente compõem suas obras sobrepondo múltiplas camadas usando técnicas expandidas como parte fundamental da linguagem musical. São quase duas décadas dedicadas a um estilo de música que desconstrói a estrutura da música pop e que explora, especialmente, o silêncio.

Foi diante desse cenário que o Passagem de Som conversou com Michael Thieke durante a passagem da dupla pelo país, rendendo uma entrevista surpreendente e recheada de boas histórias.

A vinda ao Brasil
Michael Thieke: Confesso que não temos expectativas sobre essa viagem ao Brasil, mas uma curiosidade imensa! Essa é para ambos a primeira viagem ao país e também pela América do Sul. Estamos empolgadíssimos em ter a chance de conhecer de perto várias coisas no país como as pessoas, a música e a comida. Esperamos ter a chance de encontrar e trocar experiências com o povo brasileiro, outros artistas do festival Novas Frequências e, claro, com o público durante esses dias. Essas viagens são uma ocasião ótima para que possamos ampliar nossos horizontes.

O Brasil para o The International Nothing
Michael Thieke: Temos que nosso conhecimento sobre o Brasil e seus artistas é vergonhosamente pequeno. Com exceção, é claro, de gravações de nomes como Os Murantes, Chico Buarque e Tom Jobim, que são músicos familiares em qualquer lugar do mundo. Ainda assim posso citar que Kai (Fagaschinski, o outro integrante da dupla) ouvia muito e tocava para nós o álbum Beneath The Remains, do Sepultura, durante nossa adolescência.

O termo “Tropicália” e toda sua questão política deram para nós a dimensão do que acontecia no país, mas temos apenas uma ideia vaga sobre isso. Esperamos que durante essa viagem possamos aprender melhor sobre tudo isso. A cena experimental de Berlin, e não só lá, é algo mais silencioso e nunca encontramos músicos do Brasil até hoje dedicados a esse tipo de música. Conhecemos somente o maravilhoso duo formado por Fernanda Farah e Chico Mello, que se dedica a desconstruir canções brasileiras.

O uso de clarinetas pelo The International Nothing
Michael Thieke: Não sei se posso fazer uma alusão tão grande do uso da clarineta a ritmos como o free jazz. Nossa performance com elas é algo que privilegia o silêncio e bem distante do que é o jazz em sua essência.

Nós não tentamos desafiar o público com nossa música e nem responder as coisas com ela. Tudo isso depende da percepção pessoal de cada pessoa do público, que pode achar esse processo confortável ou desconfortável. Nós preferimos criar com nossos concertos uma experiência poética onde as pessoas esperam ouvir algo novo. Esperamos ainda fazer uma conexão com o público através de nossa música e, no melhor dos casos, transformar sua percepção.

Música experimental nas redes
Michael Thieke: Olha… o que posso dizer é que nossa música é algo que está muito abaixo do radar das grandes plataformas digitais, isso é o que eu penso.

Em primeiro lugar, de qualquer maneira, achamos que é melhor experimentar nossa música ao vivo e pessoalmente, ou então ouvir um álbum como um todo em uma situação onde possa-se se concentrar para tal ato. Não estamos negando a internet e sua capacidade de acesso fácil e mundial, muito pelo contrário, tanto que nossa música pode ser ouvida gratuitamente através de nossa página de Bandcamp, em (https://theinternationalnothing.bandcamp.com/)

A cena experimental de Berlim e o acesso à música
Michael Thieke: Na Alemanha, ao menos para o tipo de música que fazemos, os valores são muito mais acessíveis comparados a qualquer banda ou artista. Existem clubs na cena underground (onde nós nos apresentamos e vivemos) o acesso é fácil e incrível para que possamos sempre dar a chance de pessoas de baixa renda terem a condição de estarem inclusas nesse circuito de música. Claro, a música experimental é um tipo de música que pouco ocupa espaço no universo e isso talvez nos dê a condição de optar por esses formato de apresentação, mas posso dizer com certeza que Berlim é um lugar que se interessa muito pela música experimental.

Há uma oferta gigante de shows todas as noites e esses shows geralmente encontram pelo menos uma audiência pequena, mas sempre curiosa. Na Alemanha ou provavelmente na Europa, Berlim tornou-se um ponto de encontro para a cena musical experimental e é destino de muitos artistas, que acabam se mudando para lá. Essa postura, felizmente, carrega consigo um novo público e a chance de mais pessoas terem acesso a isso.

Infelizmente, como efeito colateral dessa centralização, as cenas locais de outras cidades (alemãs) parecem sofrer um pouco e, por exemplo, fazer uma turnê na Alemanha é algo que quase nunca acontece. Excursionar torna-se muitas vezes uma cidade grande para outra, sem desbravar lugares mais distantes. Eu acho que é um sintoma da época em que os centros cosmopolitas e as províncias desconectadas estão se distanciando cultural e politicamente. Certamente é um problema abordar como músicos também e tentar deixar nosso território “natural” e tocar em áreas onde nossa música ainda é desconhecida.

A mídia e a música experimental
Michael Thieke: Não existe no mundo canais de grande expressividade dedicados à música experimental, apenas em casos isolados é possível ler algo sobre isso em algum jornal ou ouvir sobre o assunto em alguma rádio, já em blogs temos pessoas que escrevem sobre isso com uma paixão impressionante.

A música experimental e sua relação com a arte e a política
Michael Thieke: Nós gostaríamos de dizer que nossa música não funciona como uma declaração política tão direta, embora haja algumas implicações políticas com essa música. Pessoas que são devotas da música experimental não são realmente bons capitalistas porque sabem que sua música tem um valor comercial muito baixo. Talvez, em um mundo que parece correr muito rápido e barulhento, pode-se achar subversivo fazer uma música que peça toda sua atenção por um longo período de tempo e que seja entregue em volume sussurrante. Você também pode encontrar algumas dicas políticas de nossos títulos de álbuns e peças como In Doubt We Trust, The Power of Negative Thinking, What you Need to Know About drowning etc.. A comunidade de música experimental em geral parece estar no lado esquerdo do espectro político. Procurar novos cenários sonoros não é uma ação muito conservadora, mas pede uma mente aberta e curiosidade. Nós dois somos políticos preocupados e engajados, embora nossos shows infelizmente não sirvam para a mobilização em massa, já que não há massas chegando aos nossos shows. Ainda que na comunidade de música experimental as questões políticas são muito presentes e frequentemente discutidas.

Depois do Brasil
Michael Thieke: Nós teremos algum tempo livre depois da nossa viagem ao Brasil. Em seguida teremos a estreia de um documentário abstrato sobre a história do The International Nothing feito pelo turntablist dieb13 austríaco e que será exibido em janeiro em Viena. Esperamos ainda ter a oportunidade de tocar nossa nova peça In Dubt We Trust um pouco mais em 2019 e, lentamente, começar a procurar novas ideias para uma nova composição. Também temos este estranho quarteto pop com Christof Kurzmann e Margareth Kammerer chamado The Magic I.D., onde vamos trabalhar em novas músicas.

Anderson Oliveira

Diretor de Arte há duas décadas, fã de Grateful Dead e Jeff Beck, futuro trompetista e em constante aprendizado. Bem-vindos ao meu mundo, o Mundo de Andy.

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