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Fernanda Abreu e o retrato de uma geração

16 de janeiro de 20256 min read

Lançado em 1998, Raio-X não é só um dos álbuns de maior sucesso de Fernanda Abreu, mas a síntese de uma das décadas de maior ebulição na música brasileira, em especial a carioca.

Parece surreal, mas acredite, não dá para definir diferente. Trata-se de um turbilhão de emoções e ritmos que definiram uma década dentro de um único disco. Tem gente que redefiniu a música brasileira nos anos 80. Tem quem nos anos 90 dava forma à nova MPB. Tem também a nata do chamado novo rock. Em Raio-X tudo isso aconteceu ao mesmo tempo. Não satisfeita com tudo isso, Fernanda Abreu ainda acrescentou toda a energia caótica e a fé que definem bem o ambiente em que cresceu e, até hoje, lhe inspira a exalar tamanha energia, no auge de seus 63 anos. É assim que definimos Raio-X, seu quarto disco de estúdio, uma mescla de disco inédito e coletânea que até hoje serve como retrato de toda uma geração.

Raio-X não é o disco que proporcionou à cantora carioca uma virada na carreira. Lançado dois anos antes, o álbum Da Lata já havia lhe alçado a um novo patamar após dois bons discos de estreia, que marcam bem a transição entre os bailes do subúrbio do Rio de Janeiro para o mainstream nacional.

Composto por regravações de seus primeiros sucessos e faixas inéditas, Raio-X trazia em seu line up uma miscelânea de artistas que naquele momento definiam bem as diversas estradas que a música brasileira trilhava, independente do gênero musical. Planet Hemp, O Rappa (Bloco Rap Rio) e Chico Science (Rio 40 Graus) remodelavam o rock enquanto Lenine (Jack Soul Brasileiro) e Carlinhos Brown (Jorge de Capadócia) abriam a trilha da MPB para novos horizontes. Some a isso o já lendário Herbert Vianna (Um Amor, Um lugar) e toda sua influência na música carioca com o emergente Funk’n’Lata de Ivo Meirelles (É Hoje). O caldeirão estava pronto.

Na época sendo impulsionado pelo sucesso da MTV, praticamente todo o disco conseguiu se transformar em hit no país, sendo algumas faixas pela segunda vez, como Garota Sangue Bom e Veneno da Lata, que nessa segunda versão trazia Fausto Fawcett nos backing vocals. De sua composição, a consagração de Fawcett seria, definitivamente, com a regravação de Kátia Flávia, a Godiva do Irajá, um hino da noite carioca lançado uma década antes.

Dona de performances que até hoje impressionam, Fernanda chegava até a ser “criticada por ser carioca demais” no auge da rivalidade invisível com o público paulista, mas logo colocava todo mundo para dançar em um álbum um baile que evocava de MC Cidinho e Doca até Tony Tornado e Jair Rodrigues. Era um disco tão brasileiro que seu título só o ajudou a reforçar a boa forma com que envelheceu.

Marco na música brasileira nos anos 90, talvez nem nós, que vivemos esse período, tenhamos nos dado conta disso na época. Engatando hit atrás de hit, Fernanda Abreu parecia abraçar tantas coisas ao mesmo momento que o público acabou não tendo ideia de como sua música se tornou tão brasileira e não carioca. Em uma época onde dogmas dos anos 80 ainda perduravam, a ideia de uma música que trouxesse o funk carioca e o hardcore na mesma frase parecia repulsiva a ponto de condenar sua presença em diversos ambientes. E nada melhor que o tempo para mostrar o tanto que não só esse disco, mas sua visão de música estava um passo à frente.

Um bom exercício de memória é analisar o line up das diversas edições do Rock in Rio nos últimos anos. Figura certa na maioria, Fernanda Abreu muitas vezes foi acusada de não pregar o sisudo rock que o público mais conservador imaginava para o festival. Não por acaso, o massacre de Carlinhos Brown na edição 2001 se torna símbolo de um período onde o público não aceitava as mudanças que a música passava, se tornando muito mais plural, reflexo até da amálgama pregada pela carioca na década anterior. Quem percebeu isso, dançou até o sol raiar.

Disco que caberia muito mais em um porta-retrato do que uma gaveta de CDs, Raio-X é exatamente o que o nome propõe. É também uma eterna garantia de festa, ao menos para quem aprendeu que música não precisa de prateleira.

Anderson Oliveira

Diretor de Arte há duas décadas, fã de Grateful Dead e Jeff Beck, futuro trompetista e em constante aprendizado. Bem-vindos ao meu mundo, o Mundo de Andy.

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