Acompanhe nossas redes sociais

Now Reading: O adeus de GOA GIL e a psicodelia eletrificada

Loading
svg
Open

O adeus de GOA GIL e a psicodelia eletrificada

22 de janeiro de 20246 min read

Precursor do trance, ao menos como conhecemos hoje, lendário produtor americano parte para outras galáxias aos 72 anos, deixando um legado que só nos dá a certeza de que era hora de fazer novos universos dançarem

Uma das vertentes mais populares do planeta, o trance carece sim hoje de uma certa identidade. Da popularidade da vertente holandesa na virada do século aos BPMs acelerados da última década, poucas vezes o termo deixou de ter uma conexão direta com a psicodelia em si. E isso só aconteceu por causa de um homem, o americano Gilbert Levey, popularmente conhecido como Goa Gil, que faleceu aos 72 anos nesse 2023, depois de influenciar gerações e tocar até praticamente o fim de sua vida, ao menos nesse plano.

Entender a conexão de Goa Gil com o trance é fazer uma conexão  direta com o Verão do Amor, no fim dos anos 60, e toda a geração hippie de San Francisco, seu berço. Embora pouco se fale, Gilbert fez parte de famosa vizinhança Haight Hashbury, o bairro hippie onde nomes como Grateful Dead, Jefferson Airplane e Janis Joplin são reverenciados até hoje. Portanto, sua conexão com essa cena serve como gatilho para uma espécie de segunda geração hippie, que não sucumbiu com a chega dos anos 70 e a vez dos chamados yuppies, quando – literalmente – o sonho hippie acabou e uma geração de jovens empreendedores deram as cartas na cena americana. Antes disso, nosso protagonista partiu para a Índia, onde tudo acontece.

Na Índia, exatamente na cidade de Goa (daí o nome do gênero), Gil(Bert) estendeu sua conexão com a psicodelia através da música. Músico durante a adolescência, viu no boom das produções eletrônicas, especialmente através de nomes como a Yellow Magic Orchestra e o Kraftwerk, a chance de levar a versatilidade de sintetizadores para esse ambiente. A partir daí, sua história se funde com o impossível. Foram anos ao lado de gurus no Himalaya e absorvendo a cultura de rituais tribais indianos, onde acabou criando uma vertente conhecida como Goa Trance, a matriarca do rápido e intenso psy-trance que conhecemos hoje. O objetivo não era só fazer dançar, mas elevar a consciência de seus participantes e se conectar ao universo, mesmos ideais hippies que pavimentaram sua história.

Foi nessa toada que começou a ganhar projeção além da já psicodélica Índia. Elementos foram sendo incorporados nessa caminhada, especialmente com a chegada dos anos 80, mas foi só nos anos 90 que esse movimento realmente tomou forma. Patrono dessa vertente, Goa Gil pode até ter visto sua criança ganhar pernas e dominar o mundo em BPMs muito mais rápido do que imaginava, mas sempre foi referência no gênero. Nele, colaborou com alguns dos mais populares nomes do chamado Psy Trance. Obviamente, muito mais por reverência que compatibilidade musical.

Para se ter uma ideia, Goa Gil fazia sets de 24 horas, algo impensável em um mundo onde a vertente que derivou da sua criação dificilmente ultrapassa 2h em um line up. Mais que fazer dançar, a música foi até o fim de sua vida o fio condutor para novos universos, uma rota que agora vai além de nosso plano.

Porém, o que torna a trajetória de Gilbert Levey diferente de tudo que aconteceu nas últimas décadas certamente foi essa espécie de inocência perante um movimento que logo se associou rapidamente a excessos com a desculpa de elevação de consciência. Se o boom do ecstasy e psicodélicos fez da cena rave uma vilã a partir dos anos 90, para muitos o Trance, em especial o Goa Trance, ela ocupou a lacuna que um dia bandas da geração hippie acreditaram pavimentar as trilhas para esse processo. E isso vale para muitas outras vertentes como o reggae, por exemplo.

O adeus de Goa Gil encerra um capítulo muito ímpar na história da música eletrônica, talvez até por ter se originado de quando nem se pensava nesse termo. No futuro – ou em outros universos – poucos nomes poderão ter se orgulhado de ter transformado seu amor pela música em uma filosofia de vida. Mais hippie que isso, impossível.

Anderson Oliveira

Diretor de Arte há duas décadas, fã de Grateful Dead e Jeff Beck, futuro trompetista e em constante aprendizado. Bem-vindos ao meu mundo, o Mundo de Andy.

Loading
svg