Em novo álbum, a banda que é pilar do Acid Jazz desde o início dos anos 80 desafia o algoritmo em um álbum longo, se supera novamente, e mostra que seu trabalho é muito mais que uma “boa música que não prestamos atenção”.
Parece uma bolha difícil de estourar, então por que continuar? Provavelmente porque é possível mudar isso, correto? Então, nada melhor que seguir evoluindo. Com seu novo álbum, Into You, o lendário coletivo inglês Incognito mostra que sua música é muito mais que belos vocais e acordes que ocupam espaço na sala de visita, mas uma trilha sonora que precisa de atenção.
Um dos nomes mais representativos do chamado Acid Jazz, o Incognito sempre teve um pé nas pistas de dança (muito disso graças à vocalista Maysa Leak), mas especialmente em ambientes refinados onde sua música agrada o suficiente para encher de orgulho seus ouvintes, ainda que os mesmos não tenham a menor ideia de seus protagonistas. Parece bizarro, mas se olharmos as últimas décadas, essa concepção só foi furada de verdade com o Jamiroquai, nos anos 90, e com o próprio Incognito, com Still A Friend Of Mine, e até o US3, no boom de Cantaloop, tudo nos anos 90.
Com ascensão da lounge music, suas coleções refinadas e subgêneros como o downtempo e o trip-hop, ficou ainda mais difícil destacar artistas, ainda que estes lançassem obras impecáveis, como Heavy Rhyme Experience: Vol. 1, de outra bandaça, o The Brand New Heavies. Com exceção daqueles que se atentam aos detalhes, uma enormidade de grupos se tornou trilha sonora de ambientes refinados como restaurantes/bares e até a sala de espera de seu dentista, que toca a Alpha FM durante 24 horas por dia.
Ainda assim, o nível de lançamentos bons de Acid Jazz não baixou seu sarrafo. De Phazz ou Club Des Belugas, não faltam nomes que colocaram uma mão na música eletrônica para potencializar sua música, mas poucos com a qualidade do Incognito, que em seu novo – e longo – álbum, faz um verdadeiro desfile que parece playlist, tamanha diversidade, mas que mantém a unidade de um grupo que hoje faz música com a mesma facilidade com que respira.
Em Into You tudo é impecável musicalmente, mas tem algo mais. Não é dizer que cada linha de baixo assusta pela complexidade ou que cada vocal impressiona – e são vários no disco. No álbum, tudo é fácil e extremamente agradável. E talvez por isso acabe passando tão em branco do grande público, servindo mais de etiqueta e demandando menos atenção. Não faça isso.
Liderado pelo guitarrista Jean-Paul ‘Bluey’ Maunick, a mente que comanda esse multifacetado coletivo, o Incognito é uma espécie de chama que manteve aceso o interesse pelo soul inglês muito antes do boom ocorrido a partir de cantoras como Amy Winehouse ou Adele. Nos Estados Unidos e restante da Europa, sempre foi o epicentro de influências para diversos nomes que hoje levantam essa bandeira. Por isso, seu novo álbum precisa ser degustado várias vezes igual fazemos com qualquer cantora dessas citadas.
De faixas dançantes como The Lowrider e Nothing Makes Me Feel Better, que têm tudo para surgir em sets de house music mundo afora, o lado intimista do grupo se faz presente como uma atmosfera que pouco condiz com o clima chuvoso de Londres. O convite feito em Keep on Dancing não é à toa.
Com 16 faixas e quase 1h20 de disco, obviamente não é fácil pedir que sua audição seja melhor degustada. Tudo caminha rápido demais nos algoritmos de plataformas digitais, mas a viagem vale a pena. O Acid Jazz vale a pena. E nada melhor que começar por um de seus principais nomes e ver que o gênero vai muito além do estrondoso Jay Kay e seu Jamiroquai, que infelizmente não vive hoje seus melhores dias musicalmente, mas quem se importa?