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Kamasi Washington | Da sala de espera ao protagonismo de seu tempo

15 de maio de 20246 min read

Em novo álbum, Fearless Movement, o quinto de sua carreira, saxofonista americano se desprende das paredes que moldavam sua música eleva o jazz a trilha de transformação, exalta vertentes como o funk e o hip-hop e posiciona o jazz novamente como música de transformação social.

Com uma carreira de mais de duas décadas, Kamasi Washington é hoje um dos principais nomes do jazz contemporâneo, isso é inegável. Isso se reforçou ainda mais quando The Epic, seu terceiro álbum de estúdio, foi lançado em 2015 e mostrou a força que sua banda, que ao vivo supera dez integrantes, era capaz de fazer com que sua música encantasse até o mais conservador crítico de jazz. Ainda assim, nela o saxofonista parecia coadjuvante de uma música rica, mas que carecia de uma pimenta que o tornasse protagonista não só de sua obra, mas de sua geração. E isso finalmente acontece em Fearless Movement, disco lançado em 2024 e fruto de conexões que novamente colocam o jazz como agente de transformação social.

Ainda que em 2018 o álbum Heaven and Earth tenha ido além The Epic, onde despertou curiosidade ao incorporar elementos descritos como afrofuturismo em sua obra, faltava conectar sua música ao presente, de forma que o jazz, ao invés das grandes casas de shows, se conectasse com movimentos sociais. Para isso, o saxofonista trouxe para seu novo álbum artistas revolucionários como George Clinton, Andre 3000, Thundercat e BJ the Chicago Kid, nome que vem despontando na cena R&B de Chicago. Além de uma revolução pessoal, com a chegada da paternidade, o que torna o novo álbum de Kamasi Washington especial é o foco mais humanista e menos espiritual de sua obra, pautado nos álbuns anteriores. Fazendo uma analogia, chegou a hora de voltar os olhos para a Terra e bem menos ao céu.

Em 12 faixas que primam pela intensidade, às vezes até de forma assustadora, Kamasi explora o que de melhor tem, não só em seu saxofone, mas extraindo de seus parceiros o melhor deles. Asha The First, por exemplo, mostra por qual razão o ex-baixista do Suicidal Tendencies Thundercat é um dos maiores de sua geração. Acompanhado do rapper Ras Kass, já mostra como sua música aqui retorna ao gueto, aquele mesmo onde o jazz foi criado. Tudo aqui é maravilhosamente caótico, instigante e reflexivo, como no refrão “Now my heart is free / Staring back at me / Future’s past I see” (Agora meu coração está livre / Olhando-me de volta / O passado do futuro eu vejo).

Outro rapper presente no álbum é Terrace Martin. Ele é também, provavelmente, um dos grandes responsáveis por essa guinada conceitual na música de Kamasi Washington, já que em 2020, ao lado do visionário Robert Glasper, trabalharam no EP Dinner Party, um projeto que explora de forma profunda os caminhos da música negra. Ali, hip-hop, funk, jazz e soul convivem em um mesmo ambiente, exatamente como em Fearless Movement. Daí também a justificava do nome do disco, algo como “movimento corajoso”.

Existem elementos curiosos no disco, Andre 3000, conhecido por seu trabalho especialmente com o Outkast, surge com flautas em Dream State. Já o rapper D Smoke, com um trompete em Get Lit. Aqui, o legado de 30 anos da série Jazzmatazz se faz ainda mais presente.

Ainda que seja um disco tão heterogêneo, o jazz segue como pilar central no novo álbum de Kamasi, já na reta final, faixas como Road to Self (KO) e Interstellar Peace podem ser consideradas algumas das melhores já executadas pelo saxofonista. Que homenageia a filha em The Prologue e dá números finais a um disco irrepreensível. Com quase 1h30 de duração, Fearless Movement é uma verdadeira viagem, mas não astral e sim pelas ruas do Brooklin e da ebulição dos movimentos sociais exaltados nos últimos anos. Não é exatamente um disco político, mas de reafirmação cultural e um ponto de virada na forma como Kamasi Washington pode ser visto daqui por diante.

Seguindo passos de nomes como Gary Clark Jr e Corinne Bailey Era são modernos justamente por exaltarem o passado de forma correta e colocarem seus protagonistas como referências de sua geração. Agora o bastão está em boas mãos.

Anderson Oliveira

Diretor de Arte há duas décadas, fã de Grateful Dead e Jeff Beck, futuro trompetista e em constante aprendizado. Bem-vindos ao meu mundo, o Mundo de Andy.

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