Muitos dirão que Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, foi o primeiro. Outros que Smile, obra abandonada por Brian Wilson e lançada décadas depois teria sido… talvez até mesmo Little Deuce Coupe, dos Beach Boys, que mostrava faixas dedicadas à cultura automobilística americana… há quem diga até que Freak Out!, trabalho de estreia de Frank Zappa, seja o primeiro disco conceitual da história. Tudo isso não é uma mentira, porém poucos discos podem ser considerados uma obra conceitual tão emblemática quanto Days of Future Passed, o segundo disco dos britânicos do Moody Blues.
Mas o que é um álbum conceitual? Embora álbuns definitivos como Dark Side of the Moon e The Wall, ambos do Pink Floyd, deem a ideia de que sejam discos onde faixas parecem se integrar como uma única obra, o que define um disco conceitual é a forma como as faixas do disco se integram em torno de um único tema. No caso do citado Freak Out!, de Frank Zappa, as faixas contam uma farsa sobre “rock”. O que faz Days of Future Passed especial é justamente o fato disso ter ficado nítido como o dia e a noite de um homem comum, exatamente o tema que permeia as sete faixas do disco.
Gravado ao lado da The London Festival Orchestra, o segundo registro do Moody Blues marca no Reino Unido a transição do chamado Sunshine Pop, de bandas como The Lovin’ Spoonful e The Turtles, para uma música mais experimental e profunda, que absorveu da cultura americana ecos do movimento Flower Power da virada da década e deu forma a toda uma geração de bandas que ascenderiam nos anos posteriores.
Inicialmente, o projeto idealizado pela Decca Records não era nem um pouco modesto. Muito mais do que criar um disco conceitual, algo que não era feito de forma tão clara na época, o objetivo era apresentar ao mundo um novo conceito de gravação, que ficaria conhecido como Deram Sound System (DSS), o som stereo. Para tal façanha colocariam uma banda de rock apresentando uma versão da Sinfonia nº 9 de Antonin Dvorak tocada por instrumentos elétricos junto a uma orquestra sinfônica. E o grupo escolhido para isso era o Moody Blues.
Ainda colhendo os frutos do ótimo Go Now!, trabalho de estreia lançado em 1965, o Moody Blues só topou embarcar no projeto quando a gravadora lhe deu condições de pilotar todo o projeto, o que incluía de cara não fazer a releitura da peça de Dvorak. Depois de vencer o receio da gravadora, o Moody Blues tinha ao seu lado Peter Knight, que foi fundamental na junção de tantos elementos encontrados no disco, especialmente o mellotron, instrumento que o vocalista Mike Pinder havia conseguido na época e que ficaria notório exatamente no mesmo ano, quando Sgt Peppers foi lançado.
A outra batalha da banda para que Days of Future Passed saísse do papel consistia em convencer a gravadora a aprovar um disco onde as faixas não se separavam como simples singles. Isso dificultaria o trabalho nas rádios, mas convencidos da ousadia da banda, a Decca autorizou o projeto, que foi dividido em 7 suítes, totalizando pouco mais de 40 minutos.
O que faz do segundo disco do Moody Blues alto tão revolucionário é justamente a sua facilidade em associar os títulos das músicas com a sonoridade adequada a cada momento do dia. Explorando cada período, a intensidade da banda se adequa em paralelo à condução da orquestra, dando a real ideia de um disco com uma história, ou um disco conceitual, como seria comum definir nos anos seguintes.
Para se ter a clara noção do trabalho do Moody Blues, o tracklist do disco já deixava claro os objetivos da banda:
- The Day Begins: The Day Begins/Morning Glory (O dia se inicia/Glória matutina)
- Dawn: Dawn is a Feeling (Amanhecer: O amanhecer é um sentimento)
- The Morning: Another Morning (A manhã: Outra manhã)
- “Lunch Break: Lunch Break/Peak Hour (Parada para a refeição/Hora de pico)
- The Afternoon: Forever Afternoon (Tuesday?)/(Evening) – Time To Get Away” (A tarde: Tarde Eterna (Terça?)/(Anoitecer) Hora de fugir)
- Evening: The Sunset/Twilight Time” (Anoitecer: O Pôr-do-sol/Hora do crepúsculo)
- The Night: Nights in White Satin/Late Lament (A noite: Noites em cetim branco/Lamento tardio)
O lançamento de Days of Future Passed trouxe alcançou números expressivos na época. Mesmo ofuscado por uma avalanche de discos que praticamente redefiniram o status quo do rock nos anos seguinte, chegou a figurar entre os 30 discos mais vendidos do Reino Unido durante o ano em que foi lançado. O reconhecimento – tardio – aconteceria praticamente cinco anos depois, quando chegou a alcançar a terceira posição da Billboard. Nessa época a ideia de um disco conceitual e ascensão do rock progressivo já se mostravam muito mais bem definidos, daí o legado do Moody Blues, um grupo que sempre experimentou o conceito de art rock desde sua fundação, no início dos anos 60.
Falar de discos conceituais no século XXI pode até soar retrógrado pela história do rock dos anos 70 e a força da indústria pop nas décadas seguintes, mas não faltam exemplos de obras conceituais que requerem um processo de imersão para compreensão. Até mesmo o DJ e produtor holandês Junkie XL produziu um álbum, Radio JXL: A Broadcast from the Computer Hell Cabin (2003), baseado na linha de pensamento do Moody Blues, com suas faixas baseadas nas horas do dia. Não era revolucionário com o original, mas reforça a ideia de que álbuns conceituais são algo que vão muito além do rock progressivo.
Ofuscado e até certo ponto esquecido, Days of Future Passed nasceu da forma certa e no momento errado. Trabalho que levou a forma como se produz música a um novo patamar, o disco clássico do Moody Blues mostrou que a música pode ser complexa o suficiente para se tratar de algo tão simples como o dia.