Em um mundo onde produtores como David Guetta, Dimitri Vegas & Like, Calvin Harris e Hardwell praticamente ditam o ritmo da EDM, fica difícil ignorar uma realidade onde o pop se tornou a junção da música eletrônica com tudo o que se possa imaginar. Hip Hop, reggae, rock… tanto faz, desde que seja dançante e barulhento o suficiente para empolgar multidões.
Elemento catalisador para a formação hits, as produções atuais se tornaram uma amálgama de ritmos capazes de transformar vertentes e se apoiar em poucas dúzias de faixas repetidas à exaustão nas pistas mundo afora.
Visto isso temos que pensar em quais fatores levaram a música eletrônica a se tornar tão essencial para o pop. Qual foi o momento em que tivemos aquele zeitgeist capaz de fazer a indústria olhar tudo isso com outros olhos? Northern Exposure, disco lançado há duas décadas pela dupla Sasha & John Digweed pode explicar um pouco disso.
Disco considerado um dos mais aclamados da história da música eletrônica, Northern Exposure não foi o primeiro a fazer sucesso nesse período. Basta olhar as datas e perceber que o Chemical Brothers, por exemplo, já havia lançado Exit Planet Dust um ano antes. Porém, o lançamento da dupla foi o disco que praticamente sintetizou o que a música eletrônica precisava para se tornar grande, intensa e dançante. E claro, chamar de vez a atenção do mainstream para esse movimento.
Parte dos valores de Northern Exposure se valem principalmente à cultura de seus idealizadores. Ambos ingleses, Sasha e John Digweed construíram sua carreira a frente de um som mais cerebral, influenciado pelo underground e que subvertia as batidas da house music americana, colapsada na virada da década.
Construído a partir de grandes nomes da época, o disco apresenta dois discos separados em “North” (Norte) e “South” (Sul), cada um com sua própria identidade. Essa fórmula se mostraria bastante eficaz nos anos seguintes na cena trance com a ascensão da esquadra holandesa, nitidamente influenciada pelo trabalho de Sasha e John.
No tracklist, a nata de uma geração que – ao contrário do que acontece na atualidade – construiu ao seu modo uma carreira repleta de hits e um pioneirismo em cenas que hoje não conseguem fugir desse imenso Rei Sol chamado EDM.
Para se ter ideia da grandeza, North apresenta faixas de nomes como o da dupla The Orb, que trabalhou com David Gilmour anos depois e é considerado um dos maiores expoentes do house ambient, do grupo Future Sound of London, lendário grupo de IDM, e William Orbit, famoso por produzir e ser considerado o braço direito de nada menos que a Rainha do Pop, Madonna.
Visto isso, fica claro que a obra de Sasha e John Digweed passa longe da densa massa sonora apresentada em palcos megalomaníacos mundo afora. Trata-se de um trabalho construído lentamente e que ganha corpo durante sua extensão. E faz dançar, muito. Daí o sentido de seu legado. Para se ter ideia, lançado há duas décadas, foi eleito pela Rolling Stone como um dos 25 melhores discos de EDM já produzidos.
E em 2016, duas décadas após seu lançamento, uma das maiores lições de Northern Exposure segue sendo sua capacidade em apresentar o conteúdo servindo de contraponto às suas batidas, deixado de lado o efeito de sinestesia que grande parte das festas busca provocar no público com uma massa sonora. Explorando vertentes díspares como o trip-hop e o trance, o projeto de Sasha em John Digweed soa orgânico o suficiente para ter servido de influência para a própria dupla nos anos que se seguiram após seu lançamento.
Porém depois de rodar o mundo com seus elogiados sets, onde vez por outra – inclusive no Brasil – faziam uso de instrumentos nos palcos, a dupla viu o mundo da música mudar. Ofuscado por isso, nunca mais conseguiu atingir tamanha relevância como em Northern Exposure, mesmo vendo artistas das mais variadas cenas, especialmente a house music e o trance – praticamente sintetizarem sua fórmula após a virada do século.
Em comemoração aos 20 anos de sua maior obra, a dupla resolveu anunciar uma turnê de despedida que pretende rodar o mundo a partir de setembro. Uma última chance para quem deseja curtir um dos mais prolíficos momentos da música eletrônica.
Nitidamente inferiores em popularidade a uma porção de artistas da época, Sasha e John Digweed não conseguiram abraçar o mainstream como mereciam. Essa tarefa logo coube aos inúmeros singles de nomes como Daft Punk, Chemical Brothers, Prodigy e até a cena holandesa que floresceu anos depois. Ainda assim a dupla inglesa segue sendo dona de um disco essencial, que fez a indústria fonográfica perceber que “esse tipo de música pode ser grande…”. E o que veio dali para frente é pura história.