Em seu novo álbum, Arte Bruta, banda paulista mergulha em um trabalho mais orgânico que os anteriores e mostra que a psicodelia nem sempre precisa de elementos artificiais para se fazer presente
Formado por Julito Cavalcante (voz, guitarra e violões), Diego Xavier (voz, guitarra, baixo e violões), Daniel Fumega (bateria) e João Gouvea (baixo), o grupo paulista Bike já deixou de ser promessa há tempos. Com quatro álbuns e turnês internacionais, segue seu processo de evolução e trouxe nesse 2023 o bom Arte Bruta, disco que aponta uma nova direção na sonoridade do grupo, especialmente com o distanciamento da associação contemporânea que psicodelia e dezenas de camadas e ruídos signifiquem necessariamente psicodelia.
De fato, Arte Bruta é também o disco que mais parece associar a psicodelia do nome do grupo ao seu mais emblemático representante, Syd Barrett. Explica-se. Em seu novo álbum, o mais orgânico da carreira, a sonoridade do Bike está muito mais próxima do folk rock dos anos 60, especialmente para quem se atenta com a música brasileira da década seguinte. Produzido pelo guitarrista Guilherme Held, o disco parece estar mais perto do Festival de Iacanga do que de Woodstock, e esse trunfo deixa sua audição de pouco mais de meia hora com enormes possibilidades de interpretação.
Com alguns interlúdios instrumentais, como em Arcoverde, A queda do Céu e Além Céu, o disco conta com bons singles incapazes de se situar em uma única prateleira. Além-Ambiente, o primeiro deles, dá as cartas para a nova viagem da banda, seguido também pela boa Torto Santo. E ainda que o fantasma (no bom sentido, óbvio) da MPB permeie algumas faixas, como nos versos de Cedro, que traz a participação do produtor disco, em nenhum momento Arte Bruta se perde no caminho. É o que se vê/ouve e cabe a nós montarmos esse quebra-cabeça, assim como o movimento que remete o seu título.
Banda que vem frequentando a cena de rock alternativo nacional, o Bike consegue em seu novo álbum abrir o leque e se aproximar de trabalhos que remetam aos novos caminhos da música brasileira e isso não quer dizer que tenha abraçado a MPB, mas que está em um novo momento de sua história. Do obscuro som psicodélico que fez praticamente uma cena hippie paralela brotar em meio ao Verão do Amor, o time paulista faz em seu novo trabalho um disco mais palatável pelo novo grau de influências, ainda distante do pejorativo pop.
O Bike que conhecemos em seus primeiros álbuns segue firme, mas voando alto e de forma bem consciente de seus passos. Yaripo, última faixa do disco, tem sua origem no nome dado ao Pico da Neblina pelos Yanomami, e deixa isso claro em seu verso final, “A pedra é a força que não racha”. O Bike está mais sóbrio do que nunca, ao menos na rota que decidiu tomar.