Expoente de um dos movimentos mais importantes da história da música brasileira, a Tropicália, o cantor e compositor baiano Gilberto Gil acumulou em sua carreira uma enormidade de experiências que foram traduzidas em trabalhos seminais de sua carreira, capazes de refletir diretamente o sentimento de uma nação e servir de inspiração para as gerações seguintes.
Hoje ex-Ministro da Cultura, cargo que exerceu entre 2003 e 2008, Gilberto Gil fez de sua experiência política e o amor pelo Brasil ingredientes de um de seus principais álbuns, o clássico Expresso 2222, lançado em 1972 e remasterizado nos estúdios de Abbey Road em 2012 por Steve Rooke, em virtude dacomemoração de 40 anos de seu lançamento.
Expresso 2222 ganhou destaque na carreira de Gil por ter sido o primeiro álbum lançado após o período em que o artista baiano permaneceu exilado em Londres ao lado de Caetano Veloso. A atuação política exercida durante o fim da década de 60 e sua expulsão do país durante um dos momentos políticos mais turbulentos da história do Brasil, em virtude do golpe militar ocorrido em 1964, acabou lhe proporcionando a chance de ampliar ainda mais seus horizontes musicais, cruzando seu caminho com gêneros como o reggae e o rock inglês.
Em ascensão durante a segunda metade da década de 60, quando viu sua imagem vinculada aos chamados Tropicalistas, Gil chegou a compor durante o período em que permaneceu preso, quando trabalhava no experimental Cérebro Eletrônico, lançado em 1969. A proposta feita pelo governo para evitar um período maior na prisão fez Gil cruzar o oceano e chegar até nomes como Terry Reid, com quem desenvolveu uma grande amizade durante o período de exílio.
Conquistando reconhecimento internacional durante o anos em que permaneceu exilado, além de presenciar inúmeros estáculos de nomes seminais da história da música, Gil retornou ao Brasil em 1972 para lançar o que viria a ser um dos melhores álbuns de sua carreira. Com título inspirado no nome do trem que o levou pela primeira vez à cidade de Salvador, Expresso 2222 é a síntese de uma das fases de maior aprendizado na vida de Gil e um ponto de referência para que seu engajamento se tornasse uma das maiores características de sua carreira.
Mais do que um grande álbum, Expresso 2222 é uma declaração de amor de um artista à cultura de seu país. A abertura realizada com Pipoca Moderna, uma faixa instrumental ao lado da tradicional Banda de Pífanos de Caruaru, um dos maiores patrimônios da música brasileira, dá início a uma verdadeira viagem por ritmos e lembranças de um período movimentado da vida de Gil, algo que fica muito bem exposto na composição Back in Bahia, onde logo em suas primeiras estrofes ouve-se trechos como “Lá em Londres, vez em quando me sentia longe daqui” e “Mar da Bahia, cujo verde vez em quando me fazia bem relembrar” quase em tom de desabafo.
O xaxado, ritmo tradicional de Pernambuco, onde as onomatopeias ganham vida dentro de seu famoso “arrasta pé”, ganha destaque na divertida Canto da Ema. Faixa que inspirou o nome de um dos maiores espaços dedicados a esse tipo de música no Brasil, localizado em São Paulo e na ativa até hoje.
Integrante de uma geração pós-bossa nova, que consagrou nomes como Tom Jobim e João Gilberto, Gil brinca com o gênero em um flerte bem executado em Chiclete Com Banana, onde afirma “Só ponho bebop no meu samba / Quando o tio Sam pegar no tamborim / Quando ele pegar no pandeiro e no zabumba / Quando ele entender que o samba não é rumba”. Alternando bem o foco entre a composição e seu lado instrumental, Expresso 2222 só embarca de vez no samba durante sua faixa-título e quando relembra o identidade tropicalista de Gil em O Sonho Acabou, uma das melhores do álbum.
Entre faixas que exploram caminhos diferentes da música brasileira, Gil parece se render ao aprendizado obtido durante o exílio durante a longa viagem proporcionada em Oriente, faixa que mais reflete suas experiências no exterior e o contato com novos ritmos musicais.
Álbum essencial em qualquer discografia no mundo, Expresso 2222 tem pela primeira vez seu encarte original adaptado para o lançamento em CD e ainda se faz relevante e um marco na carreira de Gilberto Gil, que segue na ativa até hoje.
Nos últimos anos seu título se tornou mais conhecido pelo grande público após Gil batizar um dos trios elétricos mais famosos no Carnaval da Bahia com o mesmo nome. Com o próprio músico a sua frente, não demorou para que sua imagem fosse associada diretamente a uma das maiores festas brasileiras. Ainda durante a década de 70, Gilberto Gil passou a ter um contato muito mais intenso com o carnaval baiano ao integrar blocos carnavalescos tradicionais como o Filhos de Gandhi (fundado em 1949 e um dos mais tradicionais do país) e passar a exaltar à cultura afrobrasileira.
Quarenta anos após seu lançamento, Expresso 2222 segue sendo sinônimo de festa e seu retorno ao mercado é uma grande chance de se compreender um pouco da trajetória de um dos artistas mais consagrados da música brasileira em todo mundo.