Realizados durante a segunda metade do século XIX, os freak shows – ou show de aberrações – consistiam em apresentar ao público humanos ou outros animais dotados de algum tipo de anomalia, normalmente relacionadas a mutações genéticas. Esse tipo de entretenimento foi naturalmente condenado pela sociedade com o passar dos anos, praticamente sendo erradicado da sociedade.
No caso da indústria fonográfica, não é difícil resgatar referências a esse tipo de atividade na busca de um verdadeiro impacto visual ao público. Seja na figura de Alice Cooper segurando uma cobra no palco, no bizarro visual de Marilyn Manson ou até mesmo nos vestidos de Lady Gaga, a construção do de uma figura chocante vestida em um personagem sempre fez parte da cultura pop. Mas no caso do grupo sul-africano Die Antwoord, esses padrões excedem todos os limites possíveis para subverter o conceito de música pop.
Para entender o Die Antwoord é necessário ter ao menos um vago conceito da forma como cada um de seus integrantes pensava muito antes de formarem o grupo. Formado por Ninja, Yo-Landi Vi$$er e os DJs Hi-Tek e Vuilgeboost, o Die Antwoord tem sua origem moldada pelos guetos de Cape Town, na África do Sul.
Amantes de hip hop e de cultura pop, tanto Ninja e Yo-Landi Vi$$er tiveram experiências anteriores baseadas no movimento Zef, comportamento de contra cultura típico da classe operária sul-africana. Esse padrão de comportamento ganhou força durante as décadas de 60 e 70 para ironizar a elite branca durante o período de apartheid. Olhando de forma simplória, trata-se basicamente de uma provocação, uma ironia às diferenças sociais, algo como “ser pobre mas extravagante”, “ser pobre mas ser sexy e ter estilo”.
Ter isso em mente já resume bem o visual dos dois principalmente nomes do grupo, que aliam ao seu visual uma gama incontável de tatuagens, piercings, lentes de contato capazes de transformar seus integrantes em figuras chocantes e uma performance típica da cena cyberpunk do início da década de 90.
Inserindo às bases de hip hop elementos de música eletrônica, cultura local e letras agressivas, o Die Antwoord tem em sua sonoridade uma miscelânea tão grande e improvável que mesmo a crítica mais especializada se perdeu ao tentar defini-los, assim como levar sua música a sério.
Seu primeiro álbum, $O$, lançado em 2009, chocou pelos videoclipes repletos de performances bizarras, em especial Enter the Ninja, que se tornou um viral de internet e logo começou a chamar a atenção do público. Para se ter ideia do barulho causado, Diplo produziu duas das faixas da banda logo em seu trabalho de estreia.
Já de contrato com a Interscope Records, o Die Antwoord deixou de ser só música e passou a ser uma versão subvertida de tudo o que o pop de Lady Gaga apresentava ao fim da primeira década desse século. Diferente da mensagem de “que você tem que se aceitar diferente para se sentir normal”, a figura de Ninja e Yolandi caminhava muito mais próxima de um “você tem que ser diferente para mostrar o quão hipócritas as pessoas são”. Essa filosofia da dupla foi bastante inspirada no trabalho do fotógrafo Roger Ballen, que em suas publicações revelava um universo ficcional e obscuro da sociedade sul-africana.
Essa distorção da realidade provocada pelo Die Antwoord nunca foi unânime nem mesmo para os fãs do grupo, mas essa não é a preocupação da dupla, que seguiu inovando em seus videoclipes até o lançamento de seu segundo álbum, Ten$ion, que traz uma versão bizarra de Yolandi na capa do disco. Amparado pelo videoclipe de Fatty Boom Boom, não demorou para a banda finalmente ganhar o mundo.
Presente nos principais programas e festivais do planeta, o freak show do Die Antwoord sé considerado uma espécie de rave-rap pela mídia especializada, embora seu trabalho seja tão difícil de ser definido quanto o estilo de seus integrantes. Mesmo assim, dentro da festa proporcionada pelas suas performances existe algo triste e sombrio, uma crítica social que segue em primeiro plano desde os primórdios do grupo.
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Diferente da tendência em manter a mesma fórmula a cada lançamento, o Die Antwoord parece apontar para uma direção diferente sem abandonar sua essência, tamanha a quantidade de referências que o som do grupo faz. Donker Mag, lançado em 2014, é de longe o disco mais experimental do grupo. Com participação de DJ Muggs, do Cyrpress Hill, na faixa Rat Trap 666, o disco tem samples que vão de Serge Gainsbourgh a Aphex Twin. Realidades tão opostas quanto a que o grupo parece viver.
A apresentação do Die Antwoord na edição 2016 do Lollapalooza coroa a globalização da ousadia do som do grupo, que vem ao país pela primeira vez. Dentro de um line up repleto de nomes das mais variadas vertentes, vai ser ao menos interessante conferir o freak show do grupo sul-africano. Sendo fã – ou não – a apresentação promete render momentos bem interessantes.