Quem nunca ouviu falar do dia em que Johnny Cash realizou a gravação de um álbum na famosa prisão de Folsom em 1968, nos Estados Unidos? Ou quando o Pink Floyd se apresentou sob uma balsa na costa de Veneza, na Itália, e fez com que 200 mil pessoas causassem uma leve inclinação na ilha? Ou então a ocasião em que Los Angeles registrou um dos maiores congestionamentos de sua história quando o U2 resolveu sair de caminhão para gravar o clipe de Where the Streets Have No Name… enfim, o inusitado sempre fez parte da história do rock e não é uma novidade.
Mas talvez poucas situações tenham sido tão insanas na história da música quanto a gravação realizada pelo The Cramps em 1978, quando registrou uma apresentação no Napa State Mental Hospital. Sim, a banda americana, considerada uma das mais excêntricas da história, realizou um show em um hospício da California após viajar mais de 3.000 milhas durante uma turnê onde não gozava de qualquer popularidade e sequer álbum oficial lançado.
Uma dos momentos mais inusitados da história do rock, The Cramps: Live at Napa State Mental Hospital completa 37 anos em 2015 e até hoje é considerado uma das situações mais intrigantes e bizarras do mundo do rock. Gravado no fim da década de 70 e lançado em VHS somente em 1984, o registro serve mais como um souvenir para colecionadores e fãs do que propriamente um espetáculo. Transformado em DVD nas décadas seguintes, o show em si conta com pouco mais de 20 minutos e não há edição profissional, mas ainda assim a diversão é garantida.
A
sonoridade suja, que sempre transitou pelo garage punk e o rockabilly,
contribuem para a execução de faixas explosivas e performances, no
mínimo, inusitadas. Lux parece se sentir em casa, interage sem parar com
os pacientes enquanto sua guitarrista, a excêntrica Poison Ivy, mantém
uma concentração em seu instrumento quase assustadora, digna do mito
criado em torno de sua figura.
No repertório, faixas extraídas de Songs the Lord Taught Us (1979), primeiro álbum (oficial) do grupo, lançado dois anos depois da gravação no Napa State e um ano após o lançamento do EP Gravest Hits (1978). Entre elas Mistery Plane, TV Set e a dançante Twist and Shout, que não tem nada a ver com a famosa música dos Beatles.
A
qualidade da gravação também não pode sequer ser qustionada. Muito mais
como uma aventura, o registro é feito em preto e branco, a imagem treme
em grande parte do show e toda performance se concentra no próprio Lux,
alternando timidamente para o restante da banda.
Mas o que impressiona em The Cramps: Live at Napa State Mental Hospital
é a seriedade com que tudo acontece. A dedicação da banda em tentar
agradar um público que parece se comportar como um baile da terceira
idade diverte por cativar alguns pacientes mais empolgados, que chegam a
invadir o improvisado palco e embarcar na aventura da banda.
Existem
momentos antológicos na curta gravação. Logo em seu início, Lux
Interior avisa o público de que viajou 3.000 milhas para que possa
entreter a todos e ouve um sonoro “Fuck You” de uma das pacientes, que
começa a dançar logo na sequência. Mais ao fim, o vocalista solta aquela
que é a maior pérola do show. Ao ver a empolgação do “público” do Napa
State Mental Hospital, Lux abre um sorriso e diz: “Nos disseram que
vocês eram doentes, mas eu estou achando que são tão normais…”
O The Cramps é considerado até hoje uma das bandas mais excêntricas da história do rock e a quantidade de histórias que o cercam só não são maiores que a idolatria de seus fãs, que até hoje saem à caça de seu material como verdadeiros itens de colecionador. Lux Interior morreu em 2009 e a banda encerrou suas atividades com isso. De Poison Ivy e seus demais integrantes, que mudavam constantemente, pouco se sabe. Apenas que a guitarrista (que se considerava uma bruxa) passou a se dedicar inteiramente ao seu culto e a criar suas dezenas de gatos, motivo pelo qual o Cramps quase não excursionava pelo mundo.
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Ainda é possível encontrar cópias do DVD gravado no Napa State Mental Hospital em sites do exterior com valores acessíveis. Se a qualidade não é o principal ingrediente para a busca de tal souvenir, a ousadia e a diversão, além da empolgação de um público tão “seleto”, são garantia de um dos momentos mais bizarros e insanos da história da música.