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O protagonismo de Anitta e Pabblo Vittar

6 de janeiro de 20188 min read

Eu sei, você sabe e todos sabem. Certamente é desnecessário narrar os feitos de Anitta e Pabblo Vittar no último trimestre em escala global. São participações nos maiores veículos do país, parcerias em escala global e números inimagináveis para a alegria de uma indústria que vive de fenômenos cada vez mais raros de acontecer. Modismo ou não, é impossível passar indiferente ao que a dupla vem conquistando a cada dia, concordando com tal mérito ou não, mesmo assim impressiona a avalanche de críticas que segue recebendo em mídias sociais e até dentro da própria classe artística, um paradoxo cada vez mais difícil de entender.

Deixando um pouco de lado Anitta e Pabblo Vittar, basta olhar para o passado. Não ali na década de 90, mas nos anos 30 e 40, que já foram pauta aqui no Passagem de Som em um artigo que contava sobre o surgimento das Paradas de Sucesso, lembra? Lá comentávamos como elas surgiram e sua função para as rádios e publicações especializadas. Na mudança de paradigma ocorrida quando a marca de cigarros Lucky Strike investiu nessa ideia… enfim, é preciso fazer a indústria girar e sempre ter alguém no topo. Nenhuma novidade nisso, certo?

Transporte essa situação para a década de 70, o auge nos anos 80 e início dos 90 até a virada do século, agora some essa condição com o hecatombe da indústria fonográfica. Nada no meio desse caminho nunca incomodou tanto quanto Pabblo e Anitta vem fazendo nos últimos tempos. Basta lembrar a fase do “ame ou odeie” do axé ou do pagode na década de 90. Em nenhum momento Compadre Washington, Carla Perez ou Salgadinho foram tão execrados a ponto de terem seu caráter colocado em xeque ou sua música posicionada ao lado de João Gilberto, Elis Regina ou Vinícius de Moraes como base de comparação.

Entender os movimentos da música pop tem muito a ver com o momento cultural de um país. É inegável que a polarização pelo qual passa o Brasil influencia diretamente nesse contexto. Trata-se da ascensão de minorias em meio a um contexto onde a capacidade de cada artista parece estar sendo colocada à prova. E isso envolve vários elementos como a potência vocal, o corpo, a estética e tantos outros pormenores que pouco são reparados em nosso dia a dia. E sabemos que música pop nunca teve nem um pouco a ver com isso.

O caso de Anitta é emblemático por tratar o funk, berço musical da cantora, como o maior inimigo da música, pura e simplesmente dita. E partindo desse caso você passa a encontrar frases do tipo “é por isso que o Brasil está assim”, como uma mensagem proferida por um guitarrista de uma banda de rock. Mas não, não é por isso que o Brasil está assim.

A cantora carioca vem promovendo a inclusão social em seus videoclipes, realizando parcerias com artistas do primeiro escalão da música eletrônica como o sueco Alesso, gravou com a cantora americana Iggy Azalea, onde se apresentou dentro do programa de Jimmy Fallon, e recentemente colocou um single entre as faixas mais ouvidas do planeta no Spotify. Se tornou um grande ícone pop, o que a levou finalmente a ser escalada como atração do Rock in Rio, tanto na edição portuguesa como a nacional.

No caso de Pabblo Vittar o mergulho precisa ser ainda mais cuidadoso. Estamos falando de um país onde os crimes por homofobia lideram um ranking mundial e a imagem da intérprete de Kaô gera repulsa, mesmo que inconsciente, em muitas pessoas. O recorde de views em canais como Spotify e YouTube é um marco na história não só para a comunidade LGBT, mas para a sociedade em geral. Casos emblemáticos como saudosos Clodovil, Jorge Lafond, Rogéria ou a dupla Rosa e Rosinha foram importantes nesse processo? Mais que isso, foram fundamentais, mas suas presenças nunca chegaram a ocupar um espaço onde se tornassem tão protagonistas quanto Pabblo Vittar conseguiu.

Recentemente a drag chamou a atenção por cantar uma versão de Whitney Houston em um programa de TV. Não demorou para que profissionais de música, alguns artistas e boa parte do público demolissem sua performance com argumentos técnicos e uma comparação – quase sempre – com ícones que não fazem parte da rotina de seus críticos. Aliás, não é segredo que o Brasil não valorize seus ídolos. Em uma esfera maior que a música não faltariam exemplos, exceto quando invocados para desmerecer algum nome em evidência.

Para se ter uma ideia, entre os 50 maiores recordistas de vendas no país nenhum é oriundo da bossa nova ou do samba, dois patrimônios nacionais. Entre nomes que giram pelo sertanejo, MPB e o axé chama a atenção da figura de Gretchen, com pelo menos 15 milhões de álbuns vendidos na carreira. São números superiores – pasme – a Ivete Sangalo, que tem o disco mais vendido da história do país com a Banda Eva, Zeca Pagodinho, um ícone popular, e Bruno & Marrone, uma das duplas sertanejas mais celebradas do país. De quebra a cantora/atriz voltou aos holofotes recentemente por colaborar com a cantora Katy Perry, estrelando o clipe de Swish Swish. E mesmo sendo um fenômeno ao longo dos anos nunca assumiu o papel de protagonista em sua carreira, diferente de Anitta e Pabblo Vittar.

Dito isso fica fácil entender porque o protagonismo da dupla incomoda tanto, seja à classe artística ou ao cidadão comum. Tratam-se de fenômenos pop que assumiram sua condição de protagonistas em uma escala nunca vista no Brasil. Seja no Brasil ou no exterior, convites pipocam na caixa de mensagens da dupla em questão porque a indústria pop, desde a década de 30, precisa desses fenômenos para sobreviver, mesmo com críticas tão injustas travestidas de preconceito na maior parte do tempo.

Há espaço para todos no mundo da música, mas parafraseando o DJ holandês Tiesto, na maioria das vezes o vento bate mais forte nas árvores mais altas.

Anderson Oliveira

Diretor de Arte há duas décadas, fã de Grateful Dead e Jeff Beck, futuro trompetista e em constante aprendizado. Bem-vindos ao meu mundo, o Mundo de Andy.

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