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As profecias da Plebe Rude

25 de setembro de 20166 min read

Considerando pela Rolling Stone como um dos 100 melhores álbuns da história do rock nacional, se engana quem pensa que O Concreto Já Rachou se notabiliza somente pelo riff de Até Quando Esperar, faixa que inicia seu curto tracklist, de sete músicas e pouco mais de vinte minutos.

Lançado em 1986 e produzido por Herbert Vianna, o disco de estreia da Plebe Rude chega ao seu 30º aniversário como um livro de profecias que seguem ganhando forma gradualmente. Um contexto nebuloso que devia ter sido enterrado na mesma época em que foi lançado.

Composto por Philippe Seabra e André X, ambos integrantes da banda até hoje, O Concreto Já Rachou traz um recado sombrio e alarmista sobre uma sociedade que vivia seus primeiros resquícios de democracia após um longo período de ditadura. Lançado três anos antes da primeira eleição direta realizada no país, o disco teve como principal elemento catalisador o período de ebulição que desencadeou esse processo.

Em suas sete faixas – compostas ao longo de cinco anos – a Plebe Rude dispara para todos lados. Escancara os altos índices de miséria, repressão e a busca pelo sucesso com uma acidez poucas vezes vista no rock nacional. E era isso ou nada naquele momento.

Ao lado de bandas como Legião Urbana, que um ano antes havia lançado seu álbum de estreia, e do Capital Inicial, ambas formadas por integrantes do extinto Aborto Elétrico, a Plebe Rude foi seguramente a que menos se afastou da proposta inicial e a última a embarcar no trem que levou a cena de Brasília para todo o país. Consequentemente também foi a que mais pagou por isso, já que a fama do grupo nunca se comparou aos nomes citados, ainda que isso pouco importasse para seus integrantes.

Analisando friamente cada faixa de O Concreto Já Rachou, impressiona a sobriedade da banda em abordar assuntos tão delicados e suas consequências. Até Quando Esperar, faixa que ficou marcada por frases de impacto como “Com tanta riqueza por aí, onde é que está / Cadê sua fração?”, a Plebe escancarou uma realidade sombria que hoje se aproxima cada vez mais da década de 80. Para se ter ideia, de acordo com dados do IBGE, a taxa de desemprego no país, que na atualidade beiram 5% atingiam números aproximados de 5,4% na época. Um contraponto à linha de pobreza que praticamente caiu pela metade na última década.

E o mergulho no sombrio ponto de vista da banda se torna ainda mais nítido em Proteção, quando afirma “A PM na rua, a guarda nacional / Nosso medo sua arma, a coisa não tá mal”. Não é necessário ter mais que 20 anos para mentalizar uma enormidade de acontecimentos recentes que ilustrem tal declaração.

A acidez e a relação com a fama se fazem presentes nas diversas ironias que compõem Minha Renda, faixa que – ironicamente – foi escolhida pela gravadora como primeiro single do disco e uma das mais aclamadas da carreira da Plebe.

Foi nela que a polêmica com o produtor Herbert Vianna surgiu e apimentou ainda mais a imagem do grupo após declarar “Já sei o que fazer para ganhar muita grana / Vou mudar meu nome para Herbert Vianna”.  Ainda que essa declaração tenha causado problemas, a amizade entre Herbert e a banda era tamanha que o guitarrista produziu três discos da banda de Brasília.

Diferente da cena que formou o Aborto Elétrico, a sonoridade da Plebe Rude em seu álbum de estreia em pouco lembrava bandas como Ramones e Sex Pistols. Exceção feita à atitude do grupo, sua música se aproximava muito mais de ícones do pós-punk como Stiff Little Fingers, Comsat Angels, The Damned e Killing Joke.

Um dos discos mais elogiados na época, o O Concreto Já Rachou rendeu mais de 200.000 mil cópias vendidas. Um número que, além de expressivo, realçava os ideais de um período tão turbulento na história do país.

E de lá para cá passaram-se trinta anos, mas até hoje a Plebe Rude parece narrar episódios ligados a Brasília de forma profunda, abusando do tom provocativo. E se engana quem pensa que isso foi ruim para ela. Ironicamente (ou merecidamente) Brasília  homenageou a banda em seu aniversário de 30 anos justamente pelo trabalho feito pela capital do Brasil e sua postura política. Um reconhecimento que surpreendeu até mesmo aos seus integrantes.

Álbum que se recusa a ver suas composições envelhecerem, O Concreto Já Rachou nos alerta para várias situações, mas poucas soam tão verdadeiramente assustadoras e retratam o atual cenário político brasileiro como a letra de Johnny Vai à Guerra (Outra vez), onde clama “Você os ouve? Estão lá fora! Você os vê? Estão lá fora! Seus aliados, estão lá fora! Contra você!”.

Anderson Oliveira

Diretor de Arte há duas décadas, fã de Grateful Dead e Jeff Beck, futuro trompetista e em constante aprendizado. Bem-vindos ao meu mundo, o Mundo de Andy.

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