O ano era 1997 e o U2 vinha de um hiato sem lançamentos de quatro anos, quando lançou o álbum Zooropa, disco que já andava na contramão da sonoridade que a consagrou durante a década de 80.
A atitude punk da banda, responsável por despertar seu viés político, já havia provado do blues e da soul music em Rattle and Hum, em 1988, e se enveredado por novos ritmos em Achtung Baby, seguramente o disco mais maduro lançado pelo U2 até aquele momento.
Nessa época a cena eletrônica se reformulava após o colapso da house music na virada da década, o grunge ditava o passo da indústria fonográfica americana e ídolos pop como Madonna e Michael Jackson já não viviam suas fases mais inspiradas. Um zeitgeist parecia ser cada vez mais necessário e o U2 estava disposto a fazer isso acontecer, quando decidiu entrar em estúdio para iniciar as gravações de seu nono álbum.
Na época uma das maiores bandas do planeta, o sentimento de megalomania da banda irlandesa já despontava durante aquela que havia sido uma de suas mais extensas turnês, a Zoo TV, que contou com 157 shows e um Bono Vox encarnando no palco a figura de Mephisto.
Dispostos a dar um salto ainda mais alto na carreira, Bono, The Edge e Adam Clayton começaram a trabalhar nas composições que dariam forma ao próximo álbum da banda, POP. Na época, sofrendo de problemas na coluna, Larry Mullen Jr se afastou das gravações para se cuidar e esse foi só o início dos problemas do U2 até a finalização do disco.
A promessa feita ao empresário da banda, Paul McGuinness, de que ainda em 1997 o U2 excursionaria com um novo álbum na bagagem jogou sobre a banda uma pressão desnecessária, que acabou comprometendo todo processo de gravação. Disposta a mergulhar ainda mais em novas linguagens, trabalhou com loops eletrônicos, sintetizadores e a companhia de produtores como Nellee Hooper, Flood, Howie B e Steve Osborne, que acabariam dando uma nova roupagem ao som da banda até o retorno do baterista, que mesmo debilitado se esforçou minimamente para completar a gravação do disco.
Nessa época o rock parecia clamar por algo dançante. O Nirvana não existia mais. As bandas inglesas pareciam viver um período tão obscuro quanto a o período pré-Factory Records, que revolucionou toda a forma de se fazer um rock dançante no fim da década de 70. E POP veio com a proposta de resgatar toda essa atmosfera sem abandonar o rock que consagrou o U2. Não deu certo.
Primeiro single do disco, Discothèque foi vista com desconfiança pelo público, mas ainda assim alcançou o topo da paradas em diversos charts pelo mundo, uma tônica que acabou se repetindo com o álbum, ainda que seu repertório fosse ouvido por osmose por uma legião de fãs mundo afora.
A ideia de que o U2 havia abandonado o rock assombrou um público que a cada single parecia aumentar a desconfiança e, especialmente, se questionar sobre o futuro da banda irlandesa. Com sua turnê mais pirotécnica, a Pop Mart Tour, o U2 abraçou o mundo na mesma hora em que sua mudança de direção colocou sua própria credibilidade em xeque.
Foi também nessa época que Bono traria o grupo ao país pela primeira vez. Repleto de efeitos em guitarras e com o single de Staring at the Sun no topo das paradas, a banda escreveu seu primeiro capítulo no Brasil com toda dignidade que lhe era possível, mas POP reforçava a ideia de que a banda não era mais mesma. Faixas como Mofo, escrita para a mãe de Bono, trazia uma espécie de acid house rockeiro que poderia muito bem ser tocada em clubs mundo afora.
Ironicamente, a parte dançante de POP parava por aí. Baladas como If God Send His Angels, Please, Do You Feel Loved e Wake Up Dead Man davam ao disco um ar soturno e um flerte muito mais profundo com a cena de trip-hop nascida em Bristol, na Inglaterra, do que o rock dançante que acabou estigmatizando o disco. Ainda assim a máxima de que o U2 havia virado eletrônico acabaria se perseguindo a banda até o fim de sua mais exaustiva turnê.
Quando tudo acabou vários fatores reforçaram a ideia de que a banda havia errado em seu disco mais experimental. As declarações de seus integrantes de que seu próximo lançamento, All That You Can’t Leave Behind (2000), seria uma “volta ao rock” foi um deles. E em um de seus períodos de maior vacas magras, o lançamento de Is This It? pelos Strokes foi o prego no caixão que faltava para o mundo constatar o que era um rock dançante sem o uso de elementos eletrônicos.
Por outro lado as vendas de POP seguiram os números que tornaram o U2 tão gigante. Último disco da banda a alcançar números expressivos antes do hecatombe da indústria fonográfica, POP recebeu uma infinidade de discos de ouro e platina em vários países que pareciam não condizer com a quantidade de críticas que recebeu. Velhos tempos da indústria fonográfica…
Porém o repertório do disco “maldito” do U2 também viria a desaparecer dos setlists da banda. Nem mesmo o bom retorno dos SEIS singles do disco foi suficiente para transformar nenhuma das faixas em “clássica”, se tornando uma espécie de pedra no sapato da banda.
Agora em 2017, ouvir POP duas décadas depois de seu lançamento é constatar que o U2 estava naquele momento realmente a frente de seu tempo. Hoje tão essenciais no “novo rock”, os sintetizadores e efeitos que chocaram o público da época são indispensáveis para grande parte das bandas que beberam dessa fusão entre rock e eletrônico. O próprio Strokes adotaria esse tipo de efeito posteriormente.
A música eletrônica também dominou o mundo quando passou a ser chamada de EDM e boa parte dos DJs e produtores daquela época hoje tem fama proporcional a uma mega banda de rock e se arriscam em arenas com produções ainda mais fantasiosas que a executada na Pop Mart Tour.
O U2 também segue grande, talvez ainda maior que na década de 90. Os trabalhos sucessores de POP , embora não tenham causado nenhuma catarse comparada aos primeiros discos da banda, ao menos não reviveram a avalanche de críticas da época e inflaram ainda mais a coleção de hits da banda. E o rock segue dançante igual o U2 tentou fazer duas décadas atrás.