Das raízes africanas ao palco do SESC Pompeia: um mergulho na ancestralidade, espiritualidade e percussão que moldaram o jazz moderno.
Programado para acontecer entre os dias 14 de outubro e 2 de novembro, o SESC Jazz sempre foi motivo de histeria para qualquer fã do gênero no país. Além de preços acessíveis, o evento, de ousada curadoria, deu ao público a chance de conferir performances inesquecíveis que vão de John Zorn a McCoy Tyner ao longo de sua história.
Não faltam boas histórias — e poderíamos passar horas falando sobre elas —, mas, em 2025, o evento elaborou uma programação que se torna um convite único para quem quer ir além do óbvio ou do popular. Repleto de artistas oriundos do continente africano, o SESC Jazz deste ano é uma oportunidade rara de desconstruirmos nossa imagem do jazz, primordialmente formada pela estética americana e seus lendários músicos.
Com uma seleção que apresenta nomes como Baaba Maal (Senegal), Etran de L’Air (Níger), Alogte Oho & His Sounds of Joy (Gana) e Gabi Motuba (África do Sul), o evento nos lembra que o jazz não nasceu “do nada” nos Estados Unidos, mas que é uma herança africana transformada — viva!
Primeiro destaque da programação, Baaba Maal (Senegal) é uma das principais estrelas do festival. Um dos artistas africanos mais reconhecidos internacionalmente, tem em seu currículo a produção das trilhas sonoras dos filmes Black Panther e Black Panther: Wakanda Forever — mas sua obra vai muito além disso.
Aperte o play do ótimo The Traveller (2016) e mergulhe em uma fusão da música tradicional do Senegal com influências de jazz que resultam em um ritmo hipnótico e intenso. Dono de um vocal potente, Baaba Maal é certamente um dos shows mais esperados do evento. Político e visceral, o artista senegalês mostra que o jazz não é só swing e blues americano, mas uma fusão global com ancestralidade africana.
Para quem é fã da família Coltrane (tanto de John quanto de Alice) e sua espiritualidade, uma oportunidade intrigante no SESC Jazz é certamente o show do Alogte Oho & His Sounds of Joy (Gana), grupo que apresenta um gospel Frafra com harmonia vocal e improvisação. Se você está se perguntando o que seria o “gospel Frafra”, trata-se de um tipo de música religiosa do norte de Gana.
É um show para se deixar surpreender. Com a potência de um culto, Alogte Oho carrega um som espiritual cuja energia da performance conecta diretamente com as raízes africanas do jazz, rompendo a lógica americana de padrão harmônico fixo. Se você se fascina por grupos vocais de jazz, esse promete ser um espetáculo de extrema liberdade e espiritualidade.
Para os amantes do free jazz e avant-garde jazz, o line-up também guarda uma atração intensa e provocante: a compositora e vocalista sul-africana Gabi Motuba. Provavelmente a atração que mais dialoga com o jazz americano, seu álbum Tefiti – Goddess of Creation (2017) poderia facilmente ser confundido com algo de Cassandra Wilson, que também já se apresentou no SESC Jazz (quando ainda era chamado Jazz na Fábrica). É outro show onde espiritualidade e ancestralidade caminham lado a lado com o moderno.
Por último, já no fim de semana de encerramento do festival, o desert blues do Etran de L’Air (Níger) deve garantir o status de um dos shows mais elogiados do evento. Composto por quatro músicos ao melhor estilo jam rock, o grupo promove uma liberdade sonora totalmente guiada por ritmos de percussão. Esse show tem tudo para ser um dos mais dançantes do festival, relembrando o espetacular show da Orquestra Poly-Rythmo de Cotonou, realizado no mesmo SESC Pompeia em 2023.
E o que isso tem a ver com o jazz americano?
Ao promover tamanha diversidade, o SESC Jazz 2025 proporciona um mergulho nos ritmos africanos para mostrar como um gênero que se desenhou com tamanha perfeição nos Estados Unidos também bebeu de outras raízes — transformando-se naquilo que o mundo ocidental aprendeu a reverenciar, especialmente pelo fato de não ter como principal fio condutor um elemento: a percussão.
Em cada atração citada acima, espere ritmos percussivos capazes de ampliar ainda mais a experiência dos ouvintes. Como se sabe, os elementos percussivos foram proibidos nos EUA no fim do século XVIII, o que acabou influenciando praticamente toda a música produzida nos séculos seguintes. Do batuque proibido à bateria de jazz, o que sobreviveu foi a alma rítmica oriunda da África — sentimento esse que poderá ser conferido no SESC Jazz 2025.





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