Inicialmente visto como uma afronta à história de seus próprios clássicos, grandes nomes do rock progressivo regravam suas obras buscando ressignificar seu contexto aos tempos atuais. Seriam hereges ou finalmente entendemos que o termo “progressivo” do gênero agora faz mais do que sentido?
Caiu como uma bomba. Uma afronta. Um dos discos mais vendidos da história da música, Dark Side of the Moon foi regravado por Roger Waters e lançado em 2023 em meio a um furacão que envolve o seu protagonista de um lado e o guitarrista David Gilmour do outro. Parecia vingança, mas talvez não seja exatamente isso.
Divulgado por Roger Waters como um novo olhar sobre a obra, o disco realmente difere em 100% do original e soa muito mais próximo do que o baixista oferece em seus shows, repleto de simbologia. Obviamente, os solos de guitarra estão em segundo (ou até terceiro) plano, o que reforça ainda mais o sentimento de vingança. Mais que um trabalho instrumental similar ao original, o que fica claro é que a ideia do disco é se encaixar aos tempos atuais.
Embora seja o caso mais emblemático de todos, o trabalho realizado por Roger Waters com a obra suprema do Pink Floyd não é o único. Inglês e nome por trás de outra referência do rock progressivo, o Van der Graaf Generator, Peter Hammill relançou recentemente os álbuns In a Foreign Town e Out of Water, lançados originalmente em 1988 e 1990. Em comum, ambos carregados de um tom político e elementos até então pouco utilizados em estúdio. Verdadeiros frutos do seu tempo.
De acordo com Hammill, a incerteza em torno do direito das obras acabou motivando sua regravação. A ideia era manter os elementos originais, mas obviamente elevando sua qualidade e mexendo em algumas estruturas. Segundo ele, na época criticado, ambos os álbuns foram fundamentais para sua formação musical. Obviamente menos popular que Roger Waters, o lançamento não causou furor além da bolha onde o artista hoje se encontra, assim como outro belíssimo trabalho, Motif, Volume 2, de outra lenda do prog rock, Steve Howe, que mexe em outro vespeiro de sua carreira, o lendário álbum Fragile, lançado em 1971, já que refaz uma nova versão de Mood for a Day.
Existe algo em comum em cada uma dessas obras e não é só a teimosia. Ou talvez seja, dependendo do ponto de vista. Discos são recortes de seu tempo e o tempo passa, envelhece. Não é de se surpreender que os últimos anos do rock progressivo tenham sido dedicados especialmente a resgatar álbuns para que não caiam no esquecimento. Colocar cada um deles em um novo espectro de audição é também atingir um novo público, mostrar uma – velha – nova mensagem, que talvez nem mesmo os mais antigos fãs tenham compreendido na época. Se dá certo ou não, isso é uma outra conversa.
Quanto trouxe ao país sua última turnê, Roger Waters limou do telão as imagens de seu antagonista, mas ficou marcado especialmente por apresentar a nova versão de Comfortably Numb, faixa que condiz muito mais – por exemplo – com sua releitura de Dark Side of the Moon.
Peter Hammill foi no mesmo caminho. Sem cerimônias, afirmou que queria que os álbuns lançados não fossem mais obra de seu tempo, mas novos braços de seu trabalho. No caso de Howe, lidar com os fãs mais intensos do Yes pode ser mais fácil, mas Motif nunca foi unanimidade, ainda que talvez seja para seu protagonista. Afinal, poucos artistas souberam criar melodias tão espetaculares como ele ao longo dos anos 70.
Ainda que gerem uma certa ojeriza por mexer em discos considerados sagrados, o fato é que o rock progressivo nunca esteve tão na vitrine como agora. Seja pelas novas mixagens de Steven Wilson ou a reformulação de discos, esse confronto mostra que o público insiste ainda em deixar cada clássico em sua prateleira no passado, enquanto seus artistas não.
Talvez nunca tenhamos entendido a ideia de progressão musical como seus protagonistas. Ao mexerem nesse vespeiro, nos desafiamos diariamente a entender o conceito de arte que sempre existiu na cabeça de seus principais nomes e ela nem sempre combina com o que acreditamos. Talvez a inquietude dos anos 70 nunca tenha desaparecido, mas por não termos vivido essa época, soa como afronta ver velhas roupas serem repaginadas. E, mais do que nunca, a letra de Roupa Colorida, de Belchior, faz ainda mais sentido: “No presente a mente, o corpo é diferente / E o passado é uma roupa que não nos serve mais”.