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Roy Hargrove além da vida

28 de novembro de 20244 min read

Existem ciclos que, quando interrompidos, bagunçam a história da música. É quando artistas fundamentais, responsáveis por revoluções em seu gênero musical, acabam tendo sua história interrompida (ou abreviada), fazendo com que passem anos para que a música volte ao seu curso normal. E com o jazz isso pode ser sentido a partir da morte do trompetista Roy Hargrove, em 2018, aos 49 anos, vítima de um ataque cardíaco.

Considerado um dos nomes mais insinuantes dos últimos trinta anos, Roy caminhava para ser uma espécie de Miles Davis de sua geração. Era ousado, sem barreiras e um bandleader capaz de explorar todas as fronteiras do jazz e atravessá-las com maestria. Não a toa, mesmo sendo americano, foi capaz de vencer o Grammy de Melhor Álbum de Jazz Latino, com o álbum Havana, no fim dos anos 90.

Aluno do Berklee College of Music, Hargrove fez parte de uma elite musical que furou a bolha do jazz, como Antonio Hart e Joshua Redman. Não por acaso, seu nome normalmente é vinculado a uma expressão chamada MBase, uma denominação de “matriz macro-básica de extemporização estruturada”, que é uma espécie de insinuação a movimentos que vão além do jazz propriamente dito. Enfim, deixando de ser pedante em termos técnicos, Hargrove pensava a música muito à frente, assim como nomes como Miles, Coltrane, Ornette Coleman e outros gênios.

Com sua morte em 2018, esse vórtice experimental acabou sendo quebrado, restando ao público torcer por alguns lançamentos póstumos de um artista que tinha tudo para revolucionar ainda mais o jazz. Dois deles, com gravações ao vivo no Festival de Montreux e ao lado do pianista  Mulgrew Miller, deram uma boa ideia do que há nesse baú, mas nada supera seu novo lançamento, Grande-Terre, um disco ao vivo gravado na esteira de um de seus melhores álbuns de estúdio, o citado Havana, de 1998.

Em Grande Terre, Hargrove segue com um elenco estelar ao seu lado, entre eles o trombonista Frank Lacy e o pianista cubano Gabriel Hernandez, que substitui Chucho Valdez, esse que tivemos a chance de ver várias vezes nas turnês do Buena Vista Social Club pelo Brasil.

No álbum, o jazz se funde não só com a música cubana, mas com toda atmosfera caribenha de forma intensa. É o típico disco de jazz que você apresentaria para um amigo que nunca ouviu nada do gênero se apaixonar por ele. É como se alguém fosse capaz de transcrever todo mar de sentimentos que envolve a região através da música, tendo o jazz como fio condutor. E faixas como Afreaka, Lullaby for Atlantis e Kamala (para a filha da Roy) são o retrato de alguém que via o mundo dos gêneros musicais como um único mundo.

Grande Terre é seguramente um dos melhores discos de jazz de 2024, considerando o fato de que com ele somos capazes de se fazer lembrar de quem foi e de quem poderia ter sido Roy Hargrove. O jazz, claro, vai seguir evoluindo, mas sempre vamos ter uma pulga atrás da orelha pensando onde ele poderia chegar se o trompetista não tivesse indo embora há 6 anos.

Anderson Oliveira

Diretor de Arte há duas décadas, fã de Grateful Dead e Jeff Beck, futuro trompetista e em constante aprendizado. Bem-vindos ao meu mundo, o Mundo de Andy.

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