Em álbum histórico, dois dos maiores representantes da música negra lançam um álbum colaborativo que – infelizmente – se tornou póstumo, mas que só reforça o tamanho da influência e força do legado da música africana como agente de transformação.
De um lado o baterista e percussionista Tony Allen, braço direito de Fela Kuti e pedra de fundação do Afrobeat. Do outro, o grupo The Last Poets, formado por poetas e músicos afro-americanos dos anos 1960, auge do movimento pelos direitos civis e o movimento Black Power nos Estados Unidos. Para muitos, os verdadeiros pais do hip-hop. Agora imagine isso tudo no mesmo caldeirão. É o que temos em Africanism, disco colaborativo que o tempo cruelmente fez questão de adiar, fazendo com que um dos seus protagonistas não estivesse mais entre nós.
Entender Africanism é captar a essência do tempo e a força dos movimentos sociais dos últimos anos. Gravado na esteira do Black Lives Matter, Tony Allen gravou as bases do disco para uso do The Last Poets. Foi quando o Harlem (nos EUA) e Lagos (na Nigéria) ficaram conectadas pela música.
Veio a pandemia e acabou adiando todos os planos para lançamento do disco, finalizado posteriormente à volta do mundo para seu estado “normal”. Nessa caminhada, Tony Allen nos deixou em 2020, ainda no primeiro ano de isolamento, aos 79 anos. Por isso, terminar o disco era uma questão de honra e para isso Abiodun Oyewole e Umar Bin Hassan, integrantes do grupo do Harlem, escolheram versos poderosos de seus primeiros álbuns, The Last Poets (1970) e This is Madness (1971) pra reinterpretá-las diante das bases gravadas de Tony Allen. É essa a premissa de Africanism.
Embora tenha material dos anos 70 como base, Africanism nem de longe soa datado. Longe disso. Entoado tendo como fundo a fusão proporcionada por Tony Allen e a banda Egypt 80, que hoje acompanha o filho de Fela Kuti, Seun, o disco é uma viagem poderosa onde cada verso exalta a música como agente de transformação. E não importa sua etnia, ao ouvir cada uma das 8 faixas do disco, você vai saber de qual lado da história deve estar.
E o título das músicas fala por si só. “Niggers Are Scared of Revolution”, “New York, New York”, “Two Little Boys”, cada uma delas foi entoada pelo The Last Poets no mesmo ano em que se apresentou no aniversário de Malcolm X! E como o vento, seguem ecoando com força, agora adaptadas a uma atmosfera musical nascida na África. Africanism ainda tem em seu line up excelentes músicos, como o descoladíssimo saxofonista britânico de jazz, Courtney Pine, e o pianista do Ezra Collective, Joe Armon-Jones, que vem ao Brasil nesse início de 2025.
A título de curiosidade, um dos poemas musicados no disco, “When the Revolution Comes” contém um dos mais poderosos versos para reflexão existentes, “Você saberá que é uma revolução porque não haverá comerciais”, embora a frase de Gil Scott-Heron, “A revolução não será televisionada” seja mais lembrada. Mais de meio século depois, o discurso de todos envolvidos segue sendo necessário e o legado de todos que chegaram até aqui é celebrado em Africanism. Acredite, não é só um disco.
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