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Tinariwen e a música que venceu a guerra

6 de julho de 20168 min read

Formado nos campos de refugiados do deserto da Argélia em 1979, chega a ser surreal pensar nos caminhos que trouxeram o Tinariwen ao Brasil, onde realizará três shows nessa semana.

Atração do gigante Lollapalooza Chile e Argentina, o grupo liderado pelo guitarrista e vocalista Ibrahim Ag Alhabib traz ao Brasil algo muito maior que a sonoridade que o credenciou como o “Led Zeppelin do Deserto” pela mídia inglesa. Muito além da música, o Tinariwen chega ao Brasil como “Voz da Revolução”, apelido que serviu de combustível para um grupo que tem em seu currículo todos os traumas e perseguições imagináveis por um ser humano.

Filho de um rebelde, Ibrahim Ag Alhabib teve o primeiro contato com a música na adolescência, pouco tempo após ver seu pai ser fuzilado por tropas durante a revolução do Mali. Da raiva e do sentimento de impotência nasceu a paixão pela música e não pelas armas, naquele é considerado o embrião da história do Tinariwen.

Nesse período, Ibrahim vivia nos campos de refugiados entre líbios e argelinos, mas já tinha acesso ao material de bandas como Led Zeppelin, Elvis Presley e Jimi Hendrix graças a imigrantes que vinham do Norte da África.

Na esteira da presença cada vez mais frequente dos chaabis (música tradicional marroquina, normalmente executada em festas e casamentos) ganhou sua primeira guitarra de um árabe e deu início à história do Tinariwen, que significa “Lugares Vazios”, uma reflexão sobre toda vida no deserto do Saara.

Cada vez mais se aprofundando no mundo da música e tocando em festas tradicionais nos campos de refugiados, a história do Tinariwen moldou sua música a partir das próprias experiências naquela que seria conhecida como a “música dos desempregados”.

Diferente das tradicionais letras e sonoridade dos chaabis, o que se via era um grupo improvisando sobre o blues dando voz a novos músicos dos campos de refugiados do deserto. Essa história só não decolou naquele momento devido à megalomania do ditador sírio Muammar al-Gaddafi, que havia decidido cooptar nos campos de refugiados jovens tuaregues em perfeitas condições para seu vindouro exército, que tinha como objetivo lutar no norte do Níger contra uma revolução que se iniciava.

Isso obrigou aquela que era a formação inicial do coletivo Tinariwen a se abrigar em campos rebeldes, onde foram treinados durante meses para o combate que acabou ocorrendo no Mali pouco tempo depois. Além da coragem e das armas em mãos, o grupo carregava fitas cassete gravadas precariamente, mas que já tinham espalhado sua música por todo deserto.

Diante da difícil juventude, a paz só passou a fazer parte dos integrantes do coletivo no início da década de 90, quando também veio o reconhecimento internacional.

Depois do tratado de paz que permitiu aos músicos viverem somente de sua arte, era a hora de mergulhar em estúdio para suas primeiras gravações oficiais, o que aconteceu na Costa do Marfim em 1992.

A partir dali, o Tinariwen passou a excursionar por festivais da região até que sua música despertou a atenção do grupo franco-africano Lo’Jo. Os novos fãs do grupo levaram Ibrahim e seu coletivo para a França, onde se apresentaram em diversas cidades e festivais até a virada do século, quando surgiu o primeiro contrato oficial do grupo.

O momento decisivo da carreira do grupo aconteceu quando Justin Adams, músico e produtor responsável por toda guinada musical na carreira de Robert Plant ao lado do The Sensational Space Shifters, descobriu o Tinariwen e se tornou responsável por seu primeiro disco oficial, The Radio Tisdas Sessions, na rádio de mesmo nome.

A ascensão do grupo tuaregue o levou até festivais como Coachella, Glastonbury e Roskilde, na Dinamarca. Além disso, surgiram fãs que iam do próprio vocalista do Led Zeppelin passando por lendas como Carlos Santana, Thom Yorke (Radiohead), Chris Martin (Coldplay) e Brian Eno.

Sem uma formação fixa, o Tinariwen viu sua música expandir-se de forma definitiva com o lançamento de Amassakoul, em 2004. Dando espaço para outros músicos tuaregues, nunca abandonou suas raízes ao longo de uma ascensão, ainda que a história lhe faria viver sua maior turbulência meses após o álbum Tassili ser lançado.

Ainda colhendo frutos como a apresentação na abertura da Copa do Mundo de 2010 na África do Sul e o Grammy de Melhor álbum de World Music em 2012, o Tinariwen se deparou com a segunda revolução tuaregue do Mali, encarando a fúria do grupo islâmico Ansar Dine. Considerados hereges, viu membros de seu line up serem capturados e torturados durante meses.

A comoção em torno da captura de integrantes do coletivo culminou na gravação de seu sexto disco, Emmaar, que trouxe a colaboração de nomes como Josh Klinghoffer, guitarrista do Red Hot Chili Peppers.

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O imbróglio só foi resolvido meses depois, com a libertação dos integrantes presos. Em paralelo a isso, uma nova turnê mundial teve início para a divulgação de Emmaar, e sua última etapa é na América do Sul, dentro de grandes festivais e em solo brasileiro com três apresentações.

Pensar na música do Tinariwen, tão indefinida quanto a origem de cada membro de seu line up, é a prova concreta de que a música venceu, literalmente, todas as barreiras impostas a um grupo de artistas que viu os maiores horrores da guerra e do preconceito em seu encalço.

Hoje respeitado em todo o mundo e ainda ativo politicamente, tanto nas letras como em suas manifestações no norte da África, o grupo de origem tuaregue carrega em sua essência muito mais que o blues de nomes como Led Zeppelin ou de Jimi Hendrix. Se a dor sempre foi a motivação do blues em sua história, no caso do Tinariwen ela significa cicatrizes físicas impossíveis de serem apagadas.

Anderson Oliveira

Diretor de Arte há duas décadas, fã de Grateful Dead e Jeff Beck, futuro trompetista e em constante aprendizado. Bem-vindos ao meu mundo, o Mundo de Andy.

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