Dona de uma voz doce e um legado que passa por um dos maiores músicos da história, Bebel Gilberto poderia passar a vida inteira celebrando a bossa nova tão bem definida por seu pai que ninguém a culparia por isso. Mas o comodismo parece ter passado longe da cantora.
Nascida em Nova Iorque e criada em meio a um universo musical tão rico quanto sua obra, a filha de Miúcha (sobrinha de Chico Buarque) e João Gilberto debutou nos palcos aos 9 anos, quando ao lado da mãe subiu ao palco do conceituado Carnegie Hall para uma apresentação com o lendário saxofonista Stan Getz. E de lá para cá o amor pela música aumentou o suficiente para criar uma carreira estável, elegante e repleta de bons momentos. Isso parece dar à Bebel a capacidade de absorver influências que vão do samba à música eletrônica, fincando os pés com segurança a ponto de permanecer alheia às novas tendências e se dar ao luxo de excursionar pelo Brasil raramente, sendo cultuada no exterior tanto quanto seu pai.
Ex-parceira de Cazuza quando viveu no Rio de Janeiro, Bebel Gilberto foi responsável por grandes composições do Poeta do Rock, como “Eu Preciso Dizer Que Te Amo” e “Mulher Sem Razão”. Mas a grande transformação na sua carreira aconteceu somente na virada do século, quando revolucionou o conceito de bossa nova ao mesclar o conservador som criado pelo pai com batidas eletrônicas. Foi nessa época que Tanto Tempo, seu terceiro álbum, ganhou o mundo e abriu caminho para uma cena que colocou o gênero de novo em voga na música contemporânea sem “vulgarizar” sua estrutura original.
De lá para cá Bebel Gilberto se tornou uma verdadeira referência no chamado “bom gosto” popular. De som refinado, absorveu o samba e o pop, deu maior suavidade às camadas eletrônicas e tornou o seu lounge cada vez mais orgânico e flexível. Essa junção pode ser conferida em Tudo, seu sétimo álbum de estúdio (o primeiro pela Sony).
Ele sintetiza bem todas suas influências e paixões em 13 faixas irrepreensíveis, dando à filha de João Gilberto o rótulo de uma diva contemporânea. Ela não tem seu status medido pela popularidade em grandes rádios ou paradas americanas, mas pela qualidade de seus trabalhos: inquestionável por contar com uma produção de primeiro mundo e um tempero 100% brasileiro.
Transitando entre o português, o inglês e até o francês (como no belíssimo cover de Tout Est Bleu, famosa na década de 90 na voz de Ame Strong), a cantora faz jus ao título do álbum e mostra bem como sua voz adapta-se aos mais variados ritmos. É possível citar o bom samba de Novas Ideias – que traz Seu Jorge como convidado – e na belíssima Saudade Vem Correndo, uma das melhores do disco.
Mas o grande trunfo de Tudo é justamente quando Bebel consegue flutuar livremente frente à bases minimalistas como em Lonely in My Heart ou arranjos de Vivo Sonhando, quando sua voz, quase sussurrada, dá o tom em uma belíssima interpretação.
Sem um horizonte definido, fica difícil imaginar que a música de Bebel Gilberto se encaixe facilmente dentro de uma prateleira musical. Inspiração, faixa que coloca Tudo em sua reta final, é a única que remete de forma mais clara o seu passado eletrônico, algo que nem mesmo as faixas em inglês acabam conseguindo ao longo do álbum, mas ainda assim tudo transparece unidade, como se todas as estradas levassem ao mesmo lugar.
Em constante evolução e no auge da carreira, Tudo apresenta muito mais do que já foi feito por Bebel do que aquilo que está por vir em sua carreira, principalmente para alguém que parece a cada lançamento moldar de forma mais sólida os caminhos que quer seguir com maior qualidade. Para uma legião de fãs de bossa nova que não teve a possibilidade de ver seus maiores nomes ditarem o ritmo de uma cena nas décadas de 60 e 70, ver a evolução de Bebel é um alento, já que o sentimento do passado é resgatado com maestria, porém seu o foco sempre foi e vai ser o futuro.